A Toyota foi bastante inteligente na sua estratégia para invadir o mercado dos SUVs médios de base. Ao invés de lançar versões mais baratas do RAV4, criou um novo modelo baseado em seu gigante nas vendas: o Corolla. Mas será que isso foi só uma jogada de marketing ou o Corolla Cross é um Corolla de verdade?
Recrutamos a versão topo de linha com motor 2.0 Dynamic Force, a XRE de R$ 157.090, para descobrir. Afinal, se ele está vendendo tanto a ponto de ultrapassar o sedã e figurar entre os dez carros mais comercializados no Brasil, bons atributos deve ter. Jeep Compass que se cuide e que se arme para entrar na briga.
Alma de Corolla
Ainda que o RAV4 tenha sido por muito tempo o SUV do Corolla, por compartilharem alguns elementos além da plataforma, o Corolla Cross foi além. O nome compartilhado deu a ele licença poética para roubar parte do interior do sedã, além de uma parcela da composição do carro.
Ao abrir o capô é possível ver algumas braçadeiras que sustentam o para-lama mais alto, sem alterar a estrutura original do sedã. É um recurso usado semelhantemente pela Honda para abrigar o capô mais alto do WR-V sem mexer na parte cara da estrutura do Fit. Isso significa algo ruim? Não necessariamente, mas mostra o quanto o Cross aproveita do Corolla.
Na hora de andar, a semelhança entre eles é extrema. O Corolla Cross não tem aquela posição de dirigir tão alta de SUV, ele está mais para um sedã com suspensão levemente mais alta. Sem olhar para o retrovisor, você pode jurar que está dirigindo o modelo original da Toyota.
Isso significa que o valente motor 2.0 Dynamic Force quatro cilindros aspirado de 177 cv e 21,4 kgfm de torque continua a dar conta do recado. Ele é pareado à transmissão automática do tipo CVT com dez marchas simuladas, sendo a primeira física. O conjunto é mais que suficiente para o SUV, mas cobra no consumo, que fica na casa dos 11 km/l com etanol.
Pelo fato de ter a primeira marcha física, a transmissão CVT não tem aquele típico comportamento dos rivais. Eles tendem a patinar muito antes de sair. O Corolla Cross não, já sai com força, sem gritaria. Além disso, a simulação é bem feita, jogando o corpo do motorista como se de fato trocasse de marcha e sem fazer o carro parecer uma enceradeira.
Isso faz com que o Toyota Corolla Cross tenha boas retomadas e força suficiente para andar bem mesmo carregado ou cheio de gente. Por ser elástico e trabalhar bem com a transmissão automática, o SUV não parece precisar de um turbo, como acontecia com o antigo Compass. Quem já dirigiu o sedã médio da Toyota não se decepcionará com o SUV nesse quesito.
Separação no ventre
Mas a dinâmica entre eles começa a se distanciar conforme a velocidade aumenta. O Corolla sedã gosta de andar em ritmo mais acelerado e se mantém bem estável nessas situações. O Cross, nem tanto. Com o pé mais em baixo constantemente, a carroceria tende a tremer um pouco e ele parece não se sentir confortável nessa situação.
A pegada do SUV é mais do conforto. Por isso, não contorna curvas tão bem quanto seu irmão. Um pouco é culpa da suspensão mais alta, outra por conta da suspensão traseira, que não é multilink como no Corolla original. Não que ele seja desengonçado na curva, mas os que acostumaram à dinâmica do sedã ficarão um pouco chateados.
Esse é um dos problemas de carregar o nome Corolla na traseira: todas as características boas do modelo original são esperadas no novato. Ainda assim, ele enfrenta melhor os buracos que o sedã sem bater seco ou raspar a frente, ainda que ele seja mais baixo que a média dos SUVs. Há ainda de notar que a direção é um pouco mais leve e menos comunicativa.
Considerando que o perfil de compradores de SUVs pende mais para o conforto, enquanto dos sedãs preza pela esportividade, são concessões que fazem sentido. Ainda que o Toyota Corolla sempre tenha sido considerado o sedã mais confortável entre seus equivalentes. No caso do Corolla Cross, há boa dose de conforto, mas não para ser referência na categoria.
Destaque ainda para o bom isolamento acústico. Ruídos de vento não incomodam, enquanto o motor só invade a cabine quando entra em grande esforço.
Parece, mas não é
No primeiro olhar, a cabine dos Corollas é idêntica, mas é ali que a economia de custos começa a ficar evidente. A parte superior, que é macia no sedã, recebe plástico duro no Cross. Já a parte forrada em couro sintético é menos almofadada no SUV. Além disso, os plásticos usados na parte inferior do console tem textura mais barata.
Há de notar também a caixinha instalada no console para a entrada USB. Ela rouba espaço, parece gambiarra e não encaixa com o restante do design do carro. Ao menos o restante da cabine tem encaixes bem feitos, forração da porta com a mesma qualidade do sedã, incluindo materiais macios na porta traseira.
O couro usado no volante e nos bancos transmite qualidade e é o mesmo usado no sedã. O Corolla Cross é confortável e deixa os passageiros bem servidos por bancos com espuma de firmeza suficiente para não cansar em viagens longas, mas macias o suficiente para permitir um descanso.
Mas a maior mancada do interior do Toyota Corolla Cross está no freio de estacionamento. Ao invés de instalar um botão como na versão norte-americana, ou como já faz o Jeep Compass e o Volkswagen Taos, a japonesa preferiu uma solução barata e nada prática. O freio é no pé, do lado esquerdo. Já que era para economizar, melhor o freio de alavanca tradicional, não?
Espaço é um pouco mais limitado que no sedã para as pernas de quem se senta atrás. Em contrapartida, a área para a cabeça é mais generosa. Além disso, o Corolla Cross traz porta-copos nas portas traseiras em uma posição bastante prática. Há também duas inclinações no encosto traseiro para aumentar o conforto ou o espaço no porta-malas.
O porta-malas de 440 litros é menos que o do sedã, que carrega 30 litros a mais. Além disso, passou por mais algumas simplificações. Tem plástico forrando a lateral do bagageiro e de qualidade apenas ok. Além disso, o tampão retrátil tem material fino e simples. Até o carpete que forra o porta-malas aparenta ser de custo baixo.
Quase no topo
Versão mais cara com motor 2.0 aspirado, a variante XRE tem uma boa lista de itens de série, mas sem surpresas. Traz ar-condicionado digital de uma zona, bancos revestidos em couro, volante com ajuste de altura e profundidade, chave presencial, faróis com acendimento automático, sensor de ré e câmera (com definição ruim) e vidros elétricos com um toque.
Há ainda central multimídia com Android Auto e Apple CarPlay. A tela tem definição apenas ok e velocidade apenas dentro do esperado. Os menus são um pouco datados, mas fáceis de usar – especialmente por conta das teclas de atalho rápido. Destaque para a presença de gráficos de consumo que são exibidos a cada viagem feita.
O painel de instrumentos tem desenho simples e instrumentos analógicos. Há um computador de bordo bastante completo, mas que merecia uma tela maior e uma posição mais interessante que o canto do painel de instrumentos. Vale pontuar também que o Corolla Cross traz recursos de segurança eletrônica somente na versão híbrida mais cara.
Vida própria
Por dentro eles são praticamente idênticos, mas por fora o Corolla Cross tem personalidade própria. Ele não tem nenhum elemento compartilhado com seu irmão sedã, salvo maçanetas e retrovisores. Ele é mais parecido com o RAV4 que com o restante da família. Ainda assim, tem dianteira que foge totalmente de outros Toyota.
Os faróis afilados e com máscara negra ajudam a dar um olhar maldoso ao SUV, o que compõe bem com a grade frontal de proporções generosas. Ela se funde ao falso quebra-mato do para-choque, que é pintado em preto. Arcos de roda levemente retangulares e para-lamas abaulados deixam o SUV musculoso.
A traseira parece mais antiga do que o restante do carro. Lanternas ovaladas não estão tão em voga hoje em dia, mas formam um conjunto harmonioso. Contudo, outro ponto de economia fica evidente aqui: o catalizador fica muito evidente na traseira do Corolla Cross, mesmo quando não visto por baixo.
Veredicto
Usar o nome mais tradicional da Toyota colocou o Corolla Cross em uma enorme vantagem. Os compradores já sabem o que esperar dele e tem toda confiabilidade que a marca dispõe em seus anos de estrada. Não deve ser considerado como um upgrade frente ao Corolla sedã, mesmo sendo mais caro, porque é dinamicamente inferior e tem acabamento mais simples.
Entretanto, ele é a escolha certeira para quem sempre gostou do Corolla, mas se cansou do sedã ou quer aderir à moda dos SUVs. Não deve destronar o Jeep Compass pois falta refinamento a ele, assim como uma oferta de itens de tecnologia mais generosa nas versões com motor 2.0 aspiradas. Mas certamente será um protagonista entre os SUVs no Brasil.
>>VW Taos pode ser a primeira pedra no sapato do Compass | Impressões
>>Honda HR-V Touring briga com Renegade, mas mira Compass | Avaliação
>>Corolla chique? Toyota mostra o Allion, que não passa de um Corollão