Apesar de sempre creditada à Fiat Toro, a criação do segmento de picapes intermediárias foi da Renault Oroch – que na época se chamava Duster Oroch, mas ninguém fora da Renault chamava ela assim. Renovada recentemente, a Oroch quer tentar encontrar seu lugar em um segmento dominado pela Toro, mas também roubar os clientes da Fiat Strada.
Só que com a dominação dos modelos da Fiat, existe espaço para a Renault Oroch no mercado? Levamos a versão topo de linha Outsider turbo de R$ 140.900 para o teste. E o interessante já é seu preço, pois ela é uma versão de topo brigando com a Fiat Toro Endurance de entrada que custa R$ 138.490. A Strada mais cara, a Ranch, fecha em R$ 123.690.
E o fato de ser uma versão de entrada beneficia a Oroch em equipamentos. Ela traz controle de tração e estabilidade, luz diurna, faróis de neblina, farol alto auxiliar, sensor e câmera de ré, farol com acendimento automático, bancos revestidos em imitação de couro, assistente de partida em rampa, vidros elétricos nas quatro portas e ar-condicionado digital de uma zona.
Há ainda piloto automático, direção eletro-hidráulica com ajuste de altura, apoio de braço central e central multimídia com Android Auto e Apple CarPlay sem fio. Mas alguns desses itens serão detalhados depois. O importante é que ela é mais equipada que a Strada topo de linha e que a Toro de entrada, tornando a Oroch um bom custo-benefício.
Duster velho, Duster novo, Captur e Sandero
O grande problema da Oroch é que, ao invés de trazer uma nova geração baseada no elogiado Duster, a Renault resolveu dar um tapa no modelo atual. E isso tornou a picape uma verdadeira salada francesa (ou romena, se preferir) no interior. Se você não é um viciado em carros, nem vai notar, mas a Oroch tem peça de todos os Renault vendidos no Brasil hoje.
O volante veio do Sandero, mas até ai tudo bem porque se tornou padrão da marca por aqui. Mas ela manteve os velhos bancos o primeiro Logan o qual tem encosto que termina na metade das costas, além de pouco conforto e simples demais. O painel de instrumentos é do Captur, mas com tecnologia da época do Mégane.
A Renault deveria ter usado o painel do Duster novo que, apesar de mais simples, tem melhor leitura e mais recursos. Do Duster vieram as saídas de ar, botões do console e ar-condicionado digital. Aliás, como a central multimídia agora fica pendurada no painel, o local antigo virou um buraco que não serve para colocar o celular ali. Eu coloquei e ele saiu voando na primeira acelerada.
O acabamento é correto, com bons encaixes e materiais de qualidade muito superior ao Captur, além de acima da Strada, mas inferiores aos da Toro. As portas tem bastante tecido e um desenho bem interessante. Só não dá para dizer que tem personalidade própria, apesar do interior visualmente agradável, porque tem peças de todos os irmãos.
O que ela tem de vantagem, porém, é a central multimídia. O novo sistema é bem fácil de usar, intuitivo e com visual elegante. Tem Android Auto e Apple CarPlay sem fio com conexão bem estável e rápida. Você consegue navegar por todos os aplicativos sem engasgos ou sem dificuldades. A qualidade de som também é boa.
Separação bagunçada
Há também problemas graves de ergonomia. O volante não ajusta em altura, enquanto Duster e Captur já possuem isso. E também tente explicar o motivo pelo qual a Renault separou os botões do piloto automático em três lugares diferentes (cada canto do volante e ao lado do comando do espelho retrovisor no lado esquerdo do painel).
As portas tem bastante espaço e soluções criativas de separação de objetos. Mas o console parece de um carro antigo. Não há lugar para colocar o celular! Precisei improvisar colocando em um porta-copos quase na traseira ou junto ao puxador de freio. Ela tem como acessório carregador por indução com borrachas que seguram seu aparelho, então ponto para isso.
No quesito espaço ela não está tão longe da Fiat Toro, que não é referência nesse quesito. Leva dois adultos confortavelmente na frente, enquanto na traseira o espaço é apenas ok. Passageiros ali não sofrerão tanto quanto na Fiat Strada pelo menos. Mas terão de dividir espaço com o triângulo mal posicionado abaixo do acento e com a caixa de ferramentas sob o banco do passageiro dianteiro, a qual rouba espaço dos pés.
Moça bruta
Se nos quesitos anteriores a Renault Oroch parece ter evoluído pouco, na dirigibilidade a história é outra. Ela sempre foi uma caminhonete gostosa de dirigir, com bastante chão e prazer ao volante. Mas faltava motor. O 2.0 Scénic-spec já não dava conta e bebia demais. Enquanto o 1.6 está na lista dos carros mais lentos vendidos no Brasil.
A solução veio da parceria com a Mercedes-Benz para produzir um 1.3 quatro cilindros turbo, que na Renault é flex e entrega 170 cv e 27,5 kgfm de torque. Esse é, sem dúvida, o melhor casamento entre um motor turbo e um câmbio CVT à venda no Brasil. A Renault dominou com maestria essa relação e produziu um carro verdadeiramente bom de dirigir.
Particularmente não sou fã de transmissões CVT, especialmente as com complexo de enceradeira. Mas a Oroch não faz isso. Nas saídas de sinal ela sobe a rotação de maneira suficiente e logo produz uma sensação de troca de marcha. Dalí em diante, vai manejando a rotação para mantê-la o mais baixo possível, mas sem faltar força.
Esse é o ponto mais interessante da picape da Renault. Ela nunca parece sem fôlego ou fraca. Pise no pedal mais forte que ela responderá instantaneamente com rotação mais alta e acelerando na mesma proporção. Antes do motor gritar, ela já está andando rápido. E se o pé crava no fundo, as oito marchas são simuladas sem frescura.
Mas, tal qual o Duster, o tanto que a Oroch anda é o tanto que ela bebe. . Nos números do INMETRO faz 7,4 km/l com etanol na cidade e 7,8 km/l na estrada com o mesmo combustível. Durante nossos testes, fez média de 7,2 km/l mesmo com trechos divididos igualmente entre cidade e estrada.
Como o tanque é pequeno, apenas 45 litros, a autonomia não passa de 350 km com etanol mesmo na estrada. Com gasolina chega a 495 k. mas só se rodar na estrada. É o mesmo problema do Duster e também do Jeep Renegade 4×4: carros que andam muito bem e bebem na mesma proporção.
Herança RS
Um dos pontos em que a Renault Oroch mais chama atenção é na agilidade ao volante. Ela tem direção eletro-hidráulica, que é tão moderno quanto você dizer hoje que gosta de escutar músicas no MP3 Player ao invés de pagar Spotify. Ela é pesada na hora das manobras e trepida em fim de curso, mas é bem responsiva e rápida em velocidade.
Experimente fazer curvas mais abusadas com a Oroch e ela vai deixar a Fiat Toro comendo poeira. Faz lembrar o finado Sandero RS em alguns momentos, por ter carroceria sólida, rolar pouco nas curvas e manter a compostura de uma dama da alta sociedade. Nem cantar pneu ela gosta (a não ser nas saídas de sinal e rampas que às vezes ela se empolga na aceleração).
Só não dá para dizer que tem a sensação de um hatch ao volante porque ela tem posição de dirigir alta e a já . Aliás, você só se toca que está em uma picape ao olhar no retrovisor e ver a caçamba na traseira – sensação que a Strada não consegue passar, mas a Toro quase chega lá.
A questão da robustez é bastante pertinente à Oroch. Ela pode ser usada sem a menor dó. Buraco? Tranquilo para ela. Valeta? Também. Estrada de terra então, parece asfalto. A caminhonete intermediária parece gostar de situações ruins e pisos irregulares, pois é onde ela mostra sua parrudez.
Não há barulho na suspensão e a absorção dos impactos é digna de referência. Junte isso aos pneus borrachudos, mas que mandam bem nas curvas, e terá um carro em que muita gente só perceberá que passou por cima de uma guia ou tartaruga porque a carroceria balançou um pouco ou alguém gritou avisando sobre a barbeiragem.
Nardo Grey
Moda hoje em dia, a cor cinza da carroceria é uma clara cópia do Nardo Grey da Audi. Mas a e agora a Renault na Oroch. Diferentemente dos SUVs compactos, nela não pareceu combinar tão bem. Apesar disso, a reforma visual trouxe alguns atrativos à picape.
A dianteira tem grade frontal maior e mais imponente, que casa bem com o exagerado quebra-mato com luz alta auxiliar integrada. Nas versões mais simples sem esse recurso, fica nítido que algo está faltando. A versão Outsider turbo traz ainda para-lamas alargados com plástico preto. Mas agora todas as variantes tem para-choque traseiro preto.
Aliás, a Renault trocou a lente das lanternas com unidades cinza, mas eu já vi nas ruas algumas Oroch antigas com lanterna traseira quebrada que produziam o mesmo efeito. O nome Oroch ganhou destaque na tampa para enterrar de vez o nome Duster que ninguém associava a ela. As novas rodas casaram bem com o estilo, assim como o santantônio e rack de teto.
Veredicto
Era nítido que a Renault Oroch merecia uma nova geração baseada no novo Duster. Mas o orçamento não permitiu isso e a marca francesa deu um tapa no modelo atual. Ela segue gostosa de dirigir e agora com benefício do motor turbo muito bem casado com o câmbio CVT. Aliás, não ter um câmbio automático decente era o grande pecado da Oroch, agora corrigido.
Ela segue como alternativa para o público que pensa em levar uma Fiat Toro de entrada ou uma Strada topo de linha. Tem tamanho mediano entre elas e refinamento justamente na mesma medida. Anda mais que a Toro, mas bebe igual. Por fim, a Renault Oroch melhorou bastante, mas uma nova geração baseada no Duster teria a feito finalmente chegar onde deveria.
>>Renault Duster turbo: cavalo que anda, bebe (e muito) | Avaliação
>>Ford Maverick só falha onde a culpa não é dela | Avaliação
>>Fiat Toro Ultra incomoda picapes médias com outro estilo | Avaliação