Em geral as avaliações que vocês estão acostumados a ler aqui no Auto+ contam a vivência com um carro durante uma semana (às vezes até menos do que isso) rodando geralmente 500 km. Mas, este final de 2021 foi diferente. Pude passar praticamente um mês com a RAM 1500 Rebel e com o Peugeot 208 para uma experiência mais intensa.
Dessa vez não vou contar somente como é a RAM 1500 ao volante, mas toda a experiência de viver um mês com a picape gigante e todas as aventuras que enfrentei com ela. Isso acontecerá também com a avaliação do Peugeot 208 que sai na próxima semana.
Rooftop do trânsito
Nunca tinha dirigido uma RAM na vida. E a única experiência com uma picape tão grande havia sido coma Ford F-150 Raptor em uma pista da marca norte-americana durante o lançamento da Ranger Storm. Mas nada se compara a colocar esse mamute nas ruas. Ao entrar na caminhonete não ouve outra palavra se não um sonoro: “uau, como ela é grande!”.
São 5,92 m de comprimento e entre-eixos de 3,67 m. Só a distância entre as rodas é equivalente a um Renault Kwid. Já a altura de 2,01 m me fez sentir baixinho, mesmo com meus 1,87 m. Já a largura de 2,08 m fez com que a RAM 1500 não coubesse na garagem em que tipicamente deixo os carros de imprensa. Aliás, nem passar no portão ela consegue.
As dimensões dignas de um mamute fazem com que a RAM 1500 ocupe toda a faixa de trânsito. Passar por ruas apertadas é um perrengue chique e que só é possível graças aos sensores espalhados por todos os cantos e a mais do que necessária câmera 360°. Aliás, foi o que me salvou no labirinto que era o estacionamento de onde passei o ano novo.
Vez ou outra os retrovisores precisam ser recolhidos, afinal parecem televisões de tão grandes. Os motoqueiros agradecem, pois eles ficam bem na altura de suas cabeças. Contudo, a grande amplitude e o fato de contarem com um pequeno espelho extra na parte superior, ajuda muito na visão. A presença de lentes fotocrômicas me fez sentir em um Mercedes-Benz.
Como a posição de dirigir é alta e a RAM 1500 igualmente privilegiada verticalmente, é possível enxergar o teto de SUVs compactos e até de algumas picapes médias. Um hatch pequeno facilmente é encoberto pelo capô. Já no trânsito, dá para ver todo o interior dos outros carros pela janela. Na 1500 você está no rooftop do trânsito, por assim dizer.
Living ampliado
Se pelas medidas externas já fica claro que a RAM 1500 Rebel deveria pagar IPTU, não IPVA, por dentro é que esse tamanho extra se faz mais interessante. As cinco pessoas que viajaram dentro da picapona, sem exceção, elogiaram o espaço mesmo depois de horas de viagem. É possível três adultos de porte médio andarem com pernas cruzadas e sem esbarrar os ombros.
Enquanto isso, quem se senta na frente tem à disposição um console central tão grande quanto o porta-malas de um Fiat Mobi. Ele é fundo, largo, conta com gaveta deslizante para dois porta-copos e uma grande quantidade de tranqueiras. Além disso, tem entrada USB camuflada e um easter-egg com todas as gerações da RAM.
Esse console é tão largo que cria distanciamento social entre o motorista e o passageiro. Há ainda dois porta-copos na porta do motorista, dois porta-luvas, espaço na parte de cima do painel e nichos na lateral do console central. Atrás, a parte de baixo dos bancos armazena objetos longos e há dois esconderijos no piso bem próximo à porta. Haja objetos para lotar essa cabine!
O espaço ainda é ampliado pelas RAM Box nas laterais da caçamba. Dois porta-malas de 120 litros com forração impermeável contam com pontos de extração de água. Ou seja, dá para usar como um espaço para levar cargas isoladas da chuva ou como um grande cooler, como fiz – desde que não seja com bebida alcoólica porque isso não combina com direção.
Se ainda não for suficiente, a caçamba com 1.200 litros dá conta de mais carga ainda. A capota marítima tem um inteligente sistema de dobra tripla que facilita muito a sua abertura e fechamento. Além disso, isola muito melhor da chuva que das picapes médias e compactas vendidas no Brasil. Mas ainda assim, entra água e poeira pelos cantos. Muita poeira como podem ver pelas fotos da RAM na terra.
Com o pacote Level II presente na RAM 1500 Rebel testada, a caçamba ganha ainda mais praticidade. Os R$ 20 mil extras trazem tampa traseira com abertura do tipo tradicional facilitada por molas que a tornam tão leve quanto a tampa do porta-malas de um sedã. Mas ela também pode ser aberta lateralmente no estilo Fiat Toro.
Custa o que custa
Tabelada em R$ 449.990, a RAM 1500 Rebel não custa o que custa somente por ser gigantesca por dentro e por fora. Mas também por conta da tecnologia e do refinamento da cabine (além do motor V8, mas já chego lá). O acabamento é o que você espera de um carro de R$ 400 mil: refinado e de uma marca de luxo.
Na dianteira, há couro em todo o painel e em boa parte das portas. Plásticos duros são presentes somente nas partes inferiores da cabine, ainda assim muito bem montados e de qualidade. O couro do volante merece destaque por ser acolchoado como somente em carros mais caros de marcas premium.
No quesito tecnologia, a RAM é bem servida por uma enorme central multimídia vertical com Android Auto e Apple CarPlay – que pode ser pareado em dois celulares simultaneamente, mas sempre via cabo. Há ainda ar-condicionado digital de duas zonas, bancos dianteiros e traseiro (menos o central) com aquecimento e volante com aquecimento.
Ela ainda traz alerta de ponto cego, teto solar panorâmico com abertura elétrica, vidro traseiro da caçamba com abertura elétrica, assistente de luz alta, faróis full-LED, partida remota, sistema de som Harman Kardon, airbags para todos os lados e monitoramento de pressão dos pneus.
Na parte autônoma, a RAM 1500 Rebel tem sistema de manutenção em faixa que corrige bem, mas falha em curvas mais acentuadas. Além disso, conta com piloto automático adaptativo muito bem calibrado. Já a frenagem autônoma de emergência é eficaz na dianteira e exagerada na traseira.
Diversas vezes ao sair da garagem, a RAM encasquetou que havia algo por ali e freou sozinha. Até em manobras simples onde não existia sequer uma formiga passando atrás dela, a picapona insistia em acionar o freio com tudo e provocar um mini infarto em quem estava lá dentro. Depois da quinta vez, eu já havia me acostumado e me divertia com os sustos alheios. Que se repetiam exaustivamente quase todos os dias.
Muscle-car de caçamba
Algo que ouvi constantemente durante os dias que estava com a RAM era: mas é diesel? E não, ela não é. E isso vai contra a lógica de todo o mercado brasileiro. Toda picape média hoje é diesel, a 2500 é diesel e a maioria das versões da Toro não é flex. Mas por que colocar um motor V8 a gasolina na 1500 Rebel?
Primeiro por conta de imposto. Ela é feita nos EUA e paga mais imposto que a 2500, que é mexicana. Com um motor diesel, ela custaria mais que a irmã maior, o que a tornaria não tão atrativa. Além disso, com o motor Hemi V8 a Stellantis tem um rival para Chevrolet Camaro e mais prático que eles dois e tão divertido quanto.
Os 400 cv e 56,7 kgfm de torque são despejados com força nas rodas traseiras. Ao arrancar, a RAM pula e chega aos 100 km/h em 6,4 segundos. Para um monstro de 2.610 kg, é um feito impressionante, mas que ao volante não parece tanta coisa – culpa da física. Por ser grande demais e longe do chão, ela parece andar menos do que de fato anda.
Mas a giganta é um verdadeiro canhão. Acelera sem a menor dificuldade e com a sinfonia do motor V8 roncando lindamente. Não há sensação melhor do que um V8 gritando lá na frente acompanhado das enormes saídas de escape em um carro com uma dinâmica mais prazerosa no dia-a-dia que um muscle-car apertado e desengonçado nas curvas.
Por falar em curvas, a RAM gosta de jogar a traseira com vontade quando o controle de tração está desligado. Nessas horas os ombros dos passageiros traseiros se tocam. Com controles ligados, ela mergulha forte, sacode, mas faz a volta apenas com os pneus pedindo socorro. É muito mais dinâmica do que o esperado para uma caminhonete, especialmente nesse porte.
A direção, por outro lado, combina estradas e passeios, como a serra para o litoral paulista em ela visitou. Volante é grande demais e a direção lenta. Mas tem peso adequado tanto nas manobras quanto na rodagem diária. Traz ajuste de altura e profundidade, que é acompanhado por ajuste elétrico para o pedal do acelerador e de comandos elétricos para os bancos.
Apetite de picape
A segunda grande pergunta sobre a RAM, ao descobrirem que ela é gasolina, é sobre o consumo. E sim, ela bebe demais. A média durante os 1.000 km rodados foi de 5,5 km/l, com a maior parte em estrada. Nas rodovias, ela chegou a fazer 6,8 km/l, enquanto na cidade lutava para não baixar de 5 km/l.
Foram três tanques ao todo para concluir o teste, basicamente. Mas o som do V8 compensava. Nessa pegada mais próxima a de um carro, a RAM 1500 impressionou por ser um carro chassi sobre carroceria e não pular como uma picape média. Ela é menos saltitante até que uma Volkswagen Amarok e chega perto do nível da Fiat Toro, que é monobloco.
A RAM não pula, não chacoalha desnecessariamente e consegue rodar com conforto e silêncio exemplar. Isso me faz imaginar como seria uma nova Dakota com plataforma semelhante. A suspensão ajuda nessa tocada, sendo extremamente robusta e que aguenta pulos na terra, como a 1500 Rebel fez em uma fazenda no interior. Aliás, a terra parecia asfalto para a RAM, tamanho conforto. Mesmo em ruas de paralelepípedo no centro de Campinas (SP), ela passou como um tapete liso.
Suspensão mais firminha para manter a picapona na trajetória não maltrata a coluna e nem a faz saltitar ao passar por uma joaninha como algumas médias fazem. Nessa suavidade também está o câmbio automático de oito marchas. Ele tem trocas imperceptíveis, mas ágil nas trocas e redução. Conta com limitador de marcha ao invés de paddle-shifts.
Veredicto
Primeiramente se você pensa na RAM 1500 como o próximo passo das picapes médias como Toyota Hilux, Chevrolet S10 e Ford Ranger, tire carteira C e compre uma RAM 2500. A Rebel é feita para o público que quer algo diferente. Ela tem a força de um muscle-car e a dinâmica de um carro, por isso se identifica com o pessoal da Volkswagen Amarok V6.
Contudo, ela é luxuosa como verdadeiramente um carro de R$ 400 mil precisa ser. Tem tecnologia de ponta de marcas de luxo e um tamanho tão exagerado que é preciso planejamento de espaço para cada passeio e muito treino na hora da baliza. Sinceramente? Teria uma RAM 1500 mil vezes antes de um Camaro ou um Mustang.
Até porque ela tem a sonoridade dos dois muscle-cars, mas com muito mais espaço, refinamento e tecnologia. Chama tanta atenção quanto, com uma dose a mais de carisma e absurdamente mais praticidade. Agora RAM e Stellantis, por favor, lancem uma Dakota como uma mini RAM 1500. A fórmula seria mais do que vencedora.
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