Se quiser culpar alguma marca por todas as fabricantes de luxo e esportivas hoje terem um SUV em sua linha, pode apontar o dedo para a Porsche. Mas se fosse você, agradeceria aos alemães por isso. Primeiro porque o Cayenne salvou a Porsche. Segundo porque um SUV como o Cayenne GT pode fazer tudo que um 911 faz e ainda levar muita gente.
Com título de SUV mais rápido da história, mas não o mais potente da Porsche, o Cayenne GT é um verdadeiro esportivo em todos os sentidos. Mesmo sendo um carro alto, enorme e muito pesado. Resumidamente, por R$ 1.325.000, você pode mandar um grande f#d@-se às leis de Newton.
1ª Lei de Newton
Isaac Newton, um dos mais brilhantes e importantes físicos da história, através de seus estudos determinou que “todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em uma linha reta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças aplicadas sobre ele”.
Mas com o Porsche Cayenne GT, é quase impossível permanecer em estado de repouso. Principalmente porque seu motor V8 4.0 turbo de 640 cv e 86,7 kgfm de torque gosta mesmo é de roncar alto. Ainda que seja menos potente que o Cayenne Turbo S e-Hybrid, o GT anda mais forte.
São ridículos 3,3 segundos para chegar aos 100 km/h. É tempo que deixa as versões Carrera, Carrera S e T do Porsche 911 comendo poeira. Ele empata com o 911 GTS e só é deixado para trás pelos modelos Turbo e GT3. Qualquer 718 (seja Cayman ou Boxster) é mais lento que esse gigantesco Cayenne.
Acadêmicos de Frankfurt
O interessante é que o comportamento do V8 é de dualidade. Até os 4 mil giros, ele ronrona baixo, com força suficiente para empurrar o Cayenne com tranquilidade. Mas acende de verdade só depois que o conta-giros central passa pelo número 4. Nessa hora, o SUV te recebe com uma bela patada que te faz colar nos bancos enquanto o V8 ruge.
É um ronco alto, forte e brutal – semelhante a uma tempestade de raios durante um bloquinho de carnaval. Não há coração que não dispare e se alinhe ao ritmo do motor do Cayenne nessa hora. Preciso admitir, é ridículo pensar que um carro desse tamanho acelera o tanto que ele acelera.
E mesmo com tanta força, graças aos sistemas eletrônicos e o bom gerenciamento da transmissão automática de oito marchas, o consumo é comedido. Açaí 5,7 km/l na cidade e 7,4 km/l na estrada. Porém, durante nossos testes, ele marcou média de 7,8 km/l, mesmo andando em alguns momentos com toda força.
Há de elogiar a transmissão automática de oito marchas, um verdadeiro primor e que deixa o câmbio de dupla embreagem PDK parecer obsoleto. As trocas são extremamente suaves com o pé delicado no acelerador. Mas ao pisar forte, cada troca é uma patada violenta, seguida de um estampido vindo do escape – se der sorte, ele até borbulha.
As retomadas são instantâneas e a simples pisada no acelerador já faz o motor acordar. Em Sport Plus (ou com o Sport Response ativado por 20 segundos, onde ele entrega tudo), o Cayenne GT eleva a rotação do motor um pouco mais para deixar o turbo cheio e enfrentar menos turbolag.
2ª Lei de Newton
Conhecida como lei da superposição de forças ou princípio fundamental da dinâmica, a segunda lei de Newton diz que “A mudança de movimento é proporcional à força motora imprimida e é produzida na direção de linha reta na qual aquela força é aplicada”. Ou seja, a aceleração de um corpo é diretamente proporcional à força e inversamente proporcional à massa.
Traduzindo em miudos, significa que um Cayenne GT com 2.220 kg, 2,94 m de comprimento, 1,99 m de largura e 1,63 m de altura não deveria fazer curvas como ele faz. Afinal, trata-se de um carro de grande porte e muito peso. Mas ele faz o que um pequenino 718 Cayman consegue.
A tração nas quatro rodas trabalha sempre priorizando a força na traseira, mas mantém o SUV grande em trajetória. Ele deixa abusar, deslizando um pouco a traseira, mas basta pisar no acelerador para que o Cayenne GT volte à trajetória como se fosse um imã. Cada curva é atacada como um chicote e plantado no chão como se não tivesse a altura que tem.
Ainda que o Cayenne tenha a traseira feliz, não é um carro que escapa fácil. A cada volta mais abusada, ele te dá confiança para ir além do limite anteriormente estabelecido, deixando claro que os sistemas eletrônicos atuam somente para que o motorista não faça algo errado. É livre suficientemente para garantir (muita) diversão.
Junte isso ao eixo traseiro esterçante e terá no Cayenne GT um carro que estaciona com a mesma facilidade em que faz curvas muito mais rápido do que Newton calculava seus problemas físicos. A direção é calibrada para entregar mais peso, permitindo muita confiança em trajetos sinuosos.
3ª Lei de Newton
Muita gente usa a terceira lei de Newton para falar não somente de física, mas também sobre atitudes. “A toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade: as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos”, diz o princípio do físico.
Isso pode ser dito também da suspensão do SUV. Nitidamente pensado para o asfalto, o Cayenne GT odeia terra e superfícies ruins. Ele é um carro duro como um Porsche verdadeiramente esportivo. Isso significa rodar em ruas de paralelepípedo sem tanto conforto e que ao cair em um buraco, sua coluna vai reclamar.
Por sorte, o sistema pneumático possui três ajustes diferentes: duro, muito duro, duro para caramba. No último, ele fica tão firme nas curvas que desafia qualquer lógica da gravidade. Já no mais suave, é possível usar no dia a dia com relativa tranquilidade – não chega a ser um carro que exige fisioterapia a cada volta na quadra como os Mini mais esportivos.
Outra vantagem desse sistema de suspensão é que o Cayenne pode ficar mais baixo ou mais alto, dependendo da programação do motorista. Em alta velocidade, ele sempre baixa a suspensão para melhorar o consumo. Já na cidade, permite elevar bem a suspensão para passar por valetas sem problema.
Mimos de família
Ainda sobre a suspensão, o mais interessante, é a tecla no porta-malas que permite baixar a traseira para facilitar o acesso e retirada de cargas. Assim, é possível acessar os 549 litros de capacidade de uma maneira mais cômoda e fácil. A tampa tem abertura elétrica e os bancos podem ser dobrados formando uma superfície quase plana.
Há de destacar que o espaço traseiro é bem farto, mas só para duas pessoas. Por conta da proposta esportiva do Cayenne GT, a Porsche removeu o assento do meio, o transformando em um porta-objetos com uma bandeja de plástico. Mesmo com curvatura cupê, o espaço para a cabeça é generoso.
Na frente, o motorista encontra ajustes elétricos para os bancos, mas não para o volante. O assento é surpreendentemente confortável, pois possui espumas mais firmes e abas laterais bem pronunciadas para segurar o corpo nas curvas mais fortes. A combinação entre alcantara, couro e costuras douradas é de excelente bom gosto.
O que destoa do excesso de alcantara no restante da cabine. Volante, teto, parte do painel, puxadores de porta e console central são todos revestidos do material que lembra modelos de corrida. Como o volante de alcantara deveria ser manipulado com luvas, algo que não acontece nos carros de imprensa, o modelo testado já apresentava desgaste.
O restante do acabamento, porém, é impecável. Couro em toda superfície preta do painel contrastando com elementos em cinza e a central multimídia. Há plástico no console central, mas de boa qualidade e acabamento fosco que não deixa marcas. Os botões do volante também são de plástico, mas de boa qualidade.
De toque e não me toque
Há de elogiar também a Porsche pelas telas presentes no Cayenne GT. O painel de instrumentos é formado por dois displays separados pelo conta-giros analógico (o qual possui uma tela menor com indicação de troca de marcha, modo de condução e velocímetro).
A tela da esquerda tem menos funções, contando com velocímetro e marcador de quilometragem. Já a da direita possui dois visores configuráveis com diversas funções de telemetria, mas pode também ocupar toda a tela com o mapa do GPS. O sistema embutido é bom, mas não supera o Google Maps ou Waze.
Para usar esses aplicativos, o Cayenne finalmente deixou a frescura da Porsche de lado e agora traz Android Auto, além do Apple CarPlay. A conexão é feita sem fio e mostrada em uma bela tela de alta definição, com forte contraste, rápida e pouco suscetível ao sol. Poderia ser um pouco mais alta, somente.
Já o console central traz comandos em uma placa de plástico preto. Há comandos para o ar-condicionado, mas também alguns elementos ocultos, visto que a peça é usada em todos os Cayenne. Por isso, mesmo o GT tem um botão escrito Hybrid, mesmo que esteja apagado e que não conte com função alguma.
Entre as amenidades eletrônicas, o SUV grande conta com ar-condicionado de quatro zonas, aquecimento para todos os assentos, sistema de câmeras 360°, portas com fechamento por sucção, frenagem autônoma de emergência, chave presencial, faróis full-LED com facho inteligente, alerta de tráfego cruzado, disco de freio de carbono-cerâmica e indicador de fadiga.
Veredicto
Tudo no Porsche Cayenne GT parece extremo. Ele anda muito, é caro demais, tem acabamento mais esmerado do que o necessário, é mais espaçoso do que parece e é grande. Só que se há um modelo que faz verdadeiramente o que todo Porsche faz, sem nenhum sacrifício, é ele.
É um carro possível de conviver tranquilamente no dia a dia mesmo dos grandes centros lotados, porque não chama tanta atenção quanto um 911. Além disso, não é desconfortável ou apertado como um 718 ou espalhafatoso quanto o Taycan. Mas anda igual a um carro de pista quando se faz necessário. Definitivamente, um dos melhores carros que a Porsche já fez.
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