Todos os anos, alguns jornalistas são selecionados para passar algumas semanas com os carros de imprensa que, em geral, ficamos durante somente uma semana. Mantive uma tradição e escolhi o Peugeot 208 para essa aventura. Afinal, a ideia era ver se um ano depois do último teste ele ainda era um companheiro agradável.
Só que dessa vez ele dividiu a garagem com a RAM 1500 Rebel. O pequeno francês ficou cerca de dez dias a mais que a gigante picape e rodou 300 km a mais que ela. Mas isso não significa, porém, que ele não passou por diversas aventuras.
E o contato mais longo após um ano do último teste foi importante para entender o novo momento do Peugeot 208 no Brasil. Afinal, com tantos concorrentes turbo e ele com seu antigo 1.6, será que ainda dá conta do recado?
Mudanças Stellantis
A versão Active Pack testada na virada de 2020 para 2021 nem existe mais. Desde que a Stellantis entrou em ação, a Peugeot e a Citroën passaram por fortes reformulações no Brasil. O 208 mudou de versões, baixou de preço (que depois subiu) e está prestes a trocar de motor.
A versão testada, a Griffe de R$ 107.990, foi uma das primeiras do segmento a bater os R$ 100 mil, mas hoje é um interessante custo-benefício frente aos rivais. Só o 208 Griffe tem, por exemplo, teto panorâmico e painel de instrumentos 3D. Aliás, nem mesmo o elegante e refinado 3008 tem o painel no nível do 208.
Pelas imagens é difícil perceber, mas na vida real, alguns elementos ficam saltados frente a outros. É uma sensação de tecnologia e refinamento que painéis digitais comuns não conseguem passar e que faz lembrar o conforto visual que os mostradores analógicos trazem. Ele ainda tem diversos modos diferentes para o motorista escolher.
Na versão mais cara, o Peugeot 208 é realmente recheado de equipamentos. Isso para dar a aura de marca acima das generalistas que a Stellantis quer dar para a Peugeot – na mesma pegada da Jeep. O Griffe tem carregador de celular por indução, faróis full-LED com facho alto automático, assistente de manutenção em faixa e frenagem autônoma de emergência.
A lista ainda traz itens mais triviais como vidros elétricos nas quatro portas, câmera de ré, sensor de estacionamento traseiro, chave presencial por proximidade (único na categoria), ar-condicionado digital de uma zona, direção elétrica, travas elétricas, central multimídia com Android Auto e Apple CarPlay.
Coração valente
O grande ponto de polêmica do Peugeot 208 desde seu lançamento é o motor. A conta não fechava para a marca trazer o 1.2 turbo ou até mesmo a versão aspirada que era usada antes. Para ficar o mais próximo possível do europeu, o 208 argentino ficou caro de produzir. Com um motor mais novo, a situação pioraria.
Por isso, a marca optou pelo 1.6 aspirado que usa desde os tempos do 206. É suficiente, mas surpreendente. Afinal, desde quando um hatch 1.6 é considerado fraco? Os 118 cv e 16,1 kgfm de torque dão conta dos 1.178 kg. Não é tão ágil quanto um Onix turbo, Polo TSI ou HB20 T-GDi. Mas não é manco.
As acelerações dão conta de embalar o Peugeot 208 sem fazê-lo passar vergonha. O grande trunfo está no bom acerto com o câmbio automático de seis marchas. Ele gerencia bem a força do motor e faz trocas somente quando necessário. Reduz só com pé fundo, evitando a dança da quinta e sexta marcha na estrada em uma retomada leve.
Com trocas suaves, a transmissão só causa estranheza na hora de sair do sinal. Ela desacopla do motor para economizar combustível e no processo de retomada, às vezes o Peugeot sai com um tranco forte. É nítida a entrada do sistema que até faz parecer um start-stop. Como o motor faz silêncio absoluto e não vibra em nada, em marcha lenta parece desligado.
O bom casamento fez com que o consumo médio do Peugeot 208 surpreendesse. Com gasolina ele chegou a fazer 15,3 km/l na estrada, enquanto na cidade sempre se manteve acima de 8,5 km/l. Já com etanol, fez 12,1 km/l na estrada e 7 km/l na cidade. Na média, ele fechou os 1300 km com dois tanques de gasolina e dois com etanol fazendo média de 10,3 km/l.
Acerto dinâmico
Grande questão com o motor, é que ele se torna claramente inferior ao potencial do 208. O pequeno hatch francês tem plataforma muito bem acertada e um conjunto brilhante de suspensão e direção. Ele é mais durinho como os típicos Volkswagen, o que faz dele um ótimo carro para curvas mais fortes.
Ao contrário do que acontecia com os Peugeot de geração 7 (207 e 307), a suspensão não bate seco ou dá fim de curso. O 208 tem bom isolamento acústico do conjunto e também trabalha com molas mais robustas para o nosso mercado. É um acerto muito bom e que faz lembrar a robustez da suspensão do Fiat Argo.
Junte isso ao fato de que o motorista se senta mais baixo e tem um volante pequeno nas mãos e a receita para um hot hatch estaria pronta se tivesse um motor mais potente. Com assistência elétrica, a direção tem peso preciso, é rápida como de um esportivo e pega que beira a perfeição.
Entre os compactos hoje, não existe melhor posição de dirigir e direção mais afiada que a do Peugeot 208. Isso instiga uma tocada mais esportiva, permitindo extrair tudo do motor 1.6 com o câmbio em modo Sport. Nessas horas, segura marcha ao máximo e faz reduções fortes usando o freio motor. Nitidamente uma programação para quem gosta de dirigir.
Nas manobras, a direção pequena facilita a tornar tudo mais rápido e o peso leve deixa a operação mais fácil ainda. É um carro que verdadeiramente não foi feito para os pilotos de super trunfo, que preferem competir por números. Na hora da sensação, de colocar a bunda no volante, é que o 208 verdadeiramente brilha e mostra o quão bem acertado é.
Pegada europeia
Por falar em bem acerto, é o interior do 208 Griffe que, talvez, seja seu maior ponto de destaque. Se por fora ele é um carro indiscutivelmente bonito e bastante ousado, na cabine que ele revela ser um ponto totalmente fora da curva. É um mini 3008 com acabamento simplificado. Mas nitidamente muito superior aos rivais.
Nenhum outro hatch compacto tem superfície macia ao toque no painel – o 208 tem na versão Griffe. Justamente na sessão que imita fibra de carbono. Há ainda botões metalizados para controlar a central multimídia que chamam atenção. Há ainda um cuidado extra com o couro do volante, nitidamente melhor que o usado nos bancos.
Por falar neles, no lançamento do 208 no Brasil, a versão Griffe contava com bancos revestidos em Alcântara. Agora é couro com tecido nas laterais, ambos de qualidade apenas ok. Os plásticos usados na cabine são bem superiores aos do VW Polo e um pouco acima do Fiat Argo. Ainda como destaque o teto solar panorâmico que adiciona um charme à parte.
Mas há um grande contraste nisso tudo: a central multimídia. Vinda dos tempos do antigo Citroën C3 e do Peugeot 208 de geração anterior, ela é pequena demais para a moldura na qual foi inserida. Além disso, tem definição ruim, mas a velocidade de uso é boa. Roda Android Auto e Apple CarPlay via cabo, mas o ar-condicionado controlado por lá atrapalha.
Além disso, a câmera de ré tem qualidade péssima, parecendo de uma câmera VGA nos tempos de ligação por vídeo do MSN. Ela é virada para baixo, o que diminui ainda mais a área de visão. Porém, tem um sistema inteligente de varredura do solo que funciona quase como uma câmera 360° improvisada.
Espaço interno também não é o forte do Peugeot 208. Quem se senta na frente fica confortável e bem. Mas os passageiros traseiros se apertam por conta da posição mais deitada do motorista. Além disso, o teto baixo na traseira rouba área. É um carro para dois apenas, especialmente porque o porta-malas de 265 litros não é dos maiores.
Veredicto
O Peugeot 208 Griffe chegou em um momento conturbado para o mercado. Foi o primeiro hatch compacto com uma versão acima de R$ 100 mil e com motor defasado. Contudo, seu visual arrebatador e interior digno de uma marca quase premium (ênfase no quase), o tiram do lugar comum da categoria.
Agora nas mãos da Stellantis, ele começou a vender bem mais que antes e vai ganhar novos motores para reascender no mercado. É isso que falta a ele: apenas um novo coração para agradar aos pilotos de super trunfo. E também superar a chatice que muitos brasileiros ainda tem com os carros franceses.
Apesar de tudo, é um carro gostoso de dirigir, refinado dinamicamente e também no acabamento, além de bem equipado. Uma alternativa a ser considerada hoje no segmento dominado por Fiat Argo e Chevrolet Onix. Mas potencial referência na categoria quando . Afinal, ele é muito carro para pouco que o apenas suficiente 1.6 oferece.
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