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 Uma visita à oficina da Red Bull Racing na Inglaterra para responder à mais difícil das perguntas: como se faz uma equipe vencedora na Fórmula 1?

Red Bull Racing
Mais de 200 designers dedicam-se basicamente a digitalizar o que o gênio Adrian Newey inventa... a lápis! (Red Bull Photofiles)

A coluna de hoje é uma das matérias de “Movido a Gasolina, coletânea das melhores reportagens da minha carreira publicadas em revistas como Road & Track, Car and Driver, Quatro Rodas e The Red Bulletin.

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Na F1, como na teoria einsteniana, tudo é relativo. De nada adianta uma equipe tornar seu carro meio segundo mais rápido de um ano para o outro, por exemplo, se a concorrência evoluir um segundo inteiro.

Por isso, progredir no grid da F1 é tão difícil. Não basta avançar – é preciso avançar de forma anormalmente rápida. Por isso, somente Ferrari, McLaren, Williams e Renault/Benetton venceram títulos entre 1984 e 2008, até a série ser quebrada pela Brawn em 2009. Por isso, o salto dado por equipes como Red Bull e a própria Brawn não é apenas impressionante: é também muito raro.

O caso da Brawn é relativamente fácil de entender. Tratava-se, afinal, de uma equipe estruturada por uma montadora, e, ainda que a saída da Honda aos 45 minutos do segundo tempo no finzinho de 2008 tenha complicado a vida de Ross Brawn e seus comandados, permanece o fato de que foram os milhões de ienes e o expertise da gigante japonesa que tornaram possível o velocíssimo BGP001.

Já o RB5 que venceu seis corridas nas mãos de Sebastian Vettel e Mark Webber em 2009 e deu origem ao melhor carro da F1 em 2010, o RB6, é resultado de uma quebra de paradigma. Ou de duas, na realidade.

A primeira começou em 2005, quando uma fabricante de energéticos decidiu abraçar a F1 com planos ambiciosos, quase irrealistas, de derrotar as potências da indústria automobilística em seu próprio jogo. E a segunda em meados de 2008, quando um homem chamado Adrian Newey leu pela primeira vez o novo regulamento da F1 para o ano seguinte.

Para ajudar a entender essas duas revoluções, a Red Bull Racing me abriu suas portas em Milton-Keynes, a 80 quilômetros de Londres, para uma visita irrestrita. Vi cada departamento, sala e seção do complexo onde mais de 600 pessoas trabalham em tempo integral com um único objetivo: desenhar, construir e colocar na pista dois carros de corrida em condições de brigar pela vitória.

Red Bull racing
Os ‘race bays’ ocupam menos de 10% da área das instalações da Red Bull Racing (Red Bull Photofiles)

Nada dá tão bem a medida no nível de complexidade e investimento exigido pela F1 atual do que as instalações de uma equipe de ponta. Nosso tour começa pelo departamento de design, e o choque inicial é inevitável. São mais de 200 projetistas, cada um com seu próprio cubículo em uma sala que ocuparia um andar inteiro nos maiores edifícios comerciais de São Paulo.

Esse batalhão projeta literalmente centenas de partes novas por mês, destinadas a alimentar o ente mutante que é um carro de F1, uma máquina em evolução permanente, que termina uma temporada com poucas partes em comum com o bólido que iniciou o ano. Nem todas essas partes desenhadas chegam à linha de produção, contudo. Pois a Red Bull Racing abriga também um dos maiores supercomputadores da Europa, um monstro de milhões de Euros e toneladas de peso dedicado a uma única missão: realizar cálculos de CFD, ou Computational Fluid Dynamics.

Na prática, a Dinâmica de Fluidos Computacional é o “novo” túnel de vento. Através do CFD, partes são testadas 100% virtualmente, e apenas as que apresentam resultados positivos no mundo virtual acabam transportadas para a realidade concreta. Tão cedo, porém o CFD não matará completamente os túneis: “Os cálculos envolvidos são tão complexos que uma parte que levaria 25 minutos para ser testada no túnel pode levar até um mês via CFD”, revela o aerodinamicista-chefe do time, Andrew Alessi.

Alessi é parte de uma equipe de 15 aerodinamicistas focados em traduzir para o computador as criações do diretor técnico Newey. O maior designer da história da F1 segue projetando com papel e lápis, em uma imensa prancheta em seu escritório na fábrica.

Peça para qualquer profissional da F1 definir “Adrian Newey” em uma palavra, e a resposta mais frequente será: “gênio”. Pai dos imbatíveis Williams de suspensão ativa no início dos anos 90 e das McLarens campeãs em 98 e 99, no início da era de pneus com ranhuras, Newey mostrou uma vez mais em 2009 ser o mais criativo dos projetistas sempre que a F1 altera radicalmente suas regras. O bem-nascido RB5 de 09 foi a base para o dominante RB6 de 10.

“Algumas pessoas nos criticaram quando contratamos Adrian, dizendo que ele era um dinossauro de uma era já extinta”, admite o chefe de equipe da RBR, Christian Horner. “Mas basta dar uma olhada no RB5 e no RB6 e ver como eles são diferentes dos demais carros para perceber que Newey continua expandindo os limites da criação na F1 mais além do que qualquer outro designer”.

A verdade é que, em circunstâncias políticas “normais”, o primeiro título da Red Bull deveria ter vindo em 2009, e não apenas no ano seguinte.

“Desde a primeira vez que colocamos o RB5 na pista, sabíamos ter nas mãos algo especial”, conta Mark Webber. “Mesmo de tanque cheio, éramos mais rápidos do que a concorrência, até com certa facilidade. Foi uma pena que, uma semana antes da primeira corrida do ano, apareceu a Brawn e o seu difusor duplo…”

“Mordidos” com a saída de Honda e Toyota no ano anterior e com a intransigência das montadoras às suas propostas de redução de custos na F1, Bernie Ecclestone e a FIA tomaram o lado da Brawn na polêmica do difusor duplo, felizes em ver um time (agora) independente batendo na pista as montadoras restantes: McLaren-Mercedes, Ferrari, BMW e Renault. Muito devido a essa postura da FIA, 2009 seria o último ano na F1 também para a BMW.

“Não fosse o imbróglio dos difusores, provavelmente teríamos sido campeões em 2009”, complementa Horner. Os números lhe dão razão: considerando a pontuação daquele ano apenas do GP da Inglaterra em diante, quando a Red Bull estreou seu difusor duplo adaptado às pressas, Sebastian Vettel foi o melhor com 55 pontos, seguido por Mark Webber e Rubens Barrichello, com 42, e Jenson Button com 34.

“A intenção do regulamento de 2009 era mover o ponto de início do difusor para a altura do eixo traseiro, ao invés do início do pneu traseiro, onde ele estava desde 1993”, detalha o próprio Newey. “Chegamos a considerar a possibilidade de um difusor duplo no início do processo de design do carro, mas descartamos por ter certeza que essa solução seria ilegal. Inesperadamente, estávamos enganados”.

Mas, de volta ao tour. As criações de Adrian começam a tomar forma na sala seguinte, lar do SLA – StereoLitography Apparatus. O que essa sigla intraduzível denomina são máquinas de molde a laser que fabricam as peças aprovadas pelo CFD em um polímero específico, em escala reduzida. Paulatinamente e com precisão cirúrgica, as partes são esculpidas em processos que chegam a durar mais de 100 horas ininterruptas.

Concluídas em polímero, essas partes finalmente são testadas em um modelo em escala de 60%, em um túnel de vento em Bedford, também na Inglaterra. Aprovadas lá, o conceito retorna à Milton-Keynes para virar realidade, agora em tamanho real e em fibra de carbono.

Entre o departamento de design e o de fabricação, paramos antes em outra área com capacidade computacional para gerenciar Itaipu Binaciomal: o Race Operations Room. Luxo que somente as equipes de ponta possuem, trata-se de uma reprodução da cabine de cronometragem da mureta dos boxes, ponto tradicional onde os chefes de equipe e engenheiros monitoram cada detalhe da corrida.

Montada ao estilo das salas de comando de operações da NASA, o local abriga mais de uma dúzia de engenheiros nos finais de semana de grande prêmio, comandados à distância, do autódromo, pelo chefe de estratégia do time, o inglês Neil Martin. Utilizando uma montanha de dados de telemetria, GPS e até meteorologia, os engenheiros do ROR simulam o tempo todo as corridas de Vettel, Webber e também de seus concorrentes para otimizar a estratégia ideal em tempo real ao longo da prova – qual a volta mais adequada para se fazer um pit stop e quantos quilos de combustível devem ser colocados no tanque, por exemplo.

Também dividindo as alas de design e fabricação no complexo de Milton-Keynes está uma academia completa. “Com o fim do reabastecimento no final de 2009, nossos mecânicos precisam estar no ápice da forma física para trocar quatro pneus em 3,5 segundos”, explica Horner.

Passando pela academia, chega-se à imensa área que justifica o porquê das sedes de equipes de F1 serem chamadas, em inglês, de “factory”, literalmente “fábrica”. O maquinário, área e pessoal exigidos para manufaturar e seguir desenvolvendo um carro de ponta só encontram paralelo na indústria aeroespacial.

Tudo começa em um setor de moldes, onde são feitos os gabaritos que darão forma às novas partes de fibra de carbono, material que chega a custar R$ 1.500 por metro quadrado – e a “área” utilizada ao longo de uma temporada cobriria várias mansões… A fibra é então colocada nos moldes em uma sala 100% asséptica, com funcionários higienizados na saída e na entrada, tal como em uma usina nuclear. Qualquer contaminação externa pode inutilizar as novas peças.

Molde feito, é necessário “cozinhar” a fibra para que ela assuma a rigidez e leveza excepcionais que a tornam o material-base da F1 moderna. Para isso, são utilizados dois gigantescos fornos, os Autoclaves, cada um do tamanho de uma pequena casa, onde as partes são aquecidas a mais de 100ºC por períodos que podem superar 12 horas. Dali, elas seguem para um setor de acabamento, onde as rebarbas da fibra são retiradas e partes pequenas, como a série de flaps complexos que compõem uma asa dianteira, são coladas com precisão microscópica.

Ainda há muito a ser feito antes que um carro chegue à pista, todavia. Um setor de controle de qualidade examina cada item produzido, e cada peça do carro é catalogada com um código que permite gravar e acompanhar o histórico completo do item – quilometragem percorrida, data de fabricação, vida útil por vir. Esse mesmo setor possui máquinas hidráulicas para levar cada peça ao seu ponto de stress máximo, para determinar sua durabilidade em cada circunstância. O processo de stress é aplicado a todas as partes produzidas em Milton-Keynes: tudo menos motor, componentes internos do câmbio, discos e pinças de freio e as rodas e pneus.

Bólido pronto, os chassis são finalmente transferidos para os Race Bays, ou baias. É nessa área que os mecânicos trabalham no acerto e manutenção dos carros, ou seja, em que a parte “esportiva”, e não industrial, acontece. As baias ocupam cerca de 5% da área da sede de Milton-Keynes, e, sozinhas, são equivalentes em tamanho e complexidade às oficinas completas das melhores equipes de Stock Car no Brasil. No dia de nossa visita, Sebastian Vettel também está por lá, fazendo o molde para um novo assento.

Se você achou o processo demasiado complexo, lembre disso: durante a maior parte do ano, todas essas etapas são separadas em duas linhas paralelas, com o staff se dividindo entre o desenvolvimento do carro do ano corrente e, a partir de meados de maio, a criação do bólido para o ano seguinte.

Nesse caso, o RB7, de formas ainda indefinidas, mas já nascido com a genialidade de Adrian Newey em seu DNA.

P.S.: A visita à fábrica da Red Bull Racing em 2010 foi a pauta para minha principal matéria no Anuário AutoMotor daquele ano. À época, ainda era o responsável pela comunicação de motorsport da marca de energéticos no Brasil. Como funcionário da própria Red Bull, tive um nível de acesso à fábrica – incluindo entrevistas exclusivas com Newey, Horner e Webber – que, imagino, jamais seria dado a um jornalista “normal”.

O número mais impressionante dessa matéria: em 2010, a Red Bull do Brasil era a quarta operação da marca no mundo, atrás apenas de EUA, Alemanha e Inglaterra. Vendia anualmente cerca de 200 milhões de latas do energético em todo o território nacional.

Para chegar a esse resultado, contava com aproximadamente… 600 funcionários. O mesmo número que a RBR precisava para construir dois carros de corrida para competir em 18 finais de semana por ano.

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Repórter à Solta

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