A Ford Maverick é um carro difícil de explicar no Brasil, mas muito fácil de se encantar. Criada para ser o carro mais barato da e substituir o EcoSport, ela nasceu a partir da ideia inspiração na Fiat Toro. Só que, diferentemente da marca italiana, que colocou o Brasil como prioridade, a Maverick tem como foco a Terra do Tio Sam.
Isso fez com que ela tivesse mais cara de picape e menos de SUV com caçamba, fingisse demência quanto à existência de motor diesel e adotasse alguns elementos típicos do mercado americano, como maior capacidade de reboque do que de carga na caçamba. Além disso, por vir importada e em versão única (Lariat FX4 topo de linha), ela custa R$ 240.490 que é mais que a Ranger de entrada.
Na minha primeira avaliação com a Ford Maverick, havia dito que ela era sim um carro excelente, mas cheio de mancadas por culpa da Ford, não dela. E depois de colocá-la entre os , era hora de um contato mais longo com a picape da Ford para entender qual era a dela. Por isso, dessa vez, testei a Maverick por um mês e 2.000 km rodados.
Sem inconvenientes
Existem duas coisas extremamente chatas com picapes médias. O primeiro é o porte exagerado para as ruas brasileiras, fazendo com que achar uma vaga seja um verdadeiro parto. O segundo é o pula pula constante. Até uma Volkswagen Amarok, que é a que menos pula, ainda pode ser um filhote de cabrito quando quer.
A Maverick não. Feita sobre a plataforma C2 da Ford que dá origem ao Bronco Sport, ao Focus e ao SUV médio Escape, ela roda como se fosse um SUV. Nada de pula pula, solavancos chatos ou dinâmica que te faz ter a sensação de que vai tombar a qualquer momento. Pelo contrário: as raízes de Focus estão lá no bom apetite em curvas.
Comparada à Toro, que nasceu de uma base feita para SUVs, poderia parecer que a Maverick não é robusta, visto que ela usa a plataforma de um hatch médio. Só que não. Ela é tão robusta quanto a Ranger, podendo ser usada sem a menor dó, em buraqueira, asfalto ruim e encarando terrenos difíceis.
Ela parece mais baixa do que de fato é: a frente não raspa fácil e mesmo entrar e sair de rampas de estacionamento com velocidade (muito hatch compacto raspou na minha garagem) não é problema para a Maverick. A suspensão é bastante confortável, absorvendo bem as superfícies do asfalto, sem ser molenga ou boba.
O mesmo vale para a direção, que é mais leve que o típico dos Ford, sendo uma manteiga para fazer manobras, mas suficientemente firme quando ganha velocidade. É o tipo de acerto ideal que mantém a confiabilidade atrás do volante em velocidade alta, mas com conforto quando se faz necessário.
Inconveniente parcialmente evitado
A questão do porte da Maverick se faz muito presente. Ela tem 5,07 m de comprimento, 1,84 m de largura e 1,73 m de altura. O que a faz 16 cm mais longa que a Toro, mas 28 cm mais curta que a Ranger. Na largura, ela é igual à Fiat, mas as colunas mais retas fazem a carroceria mais arejada e mais espaçosa. Comparando à Ranger, ela é 2 cm mais estreita.
Já em altura, Maverick e Toro diferem em apenas 1 cm, com vantagem para a italiana, enquanto a Ranger marca 9 cm a mais por conta do porte. Mas a Ford deu uma mancada feia: cadê o sensor de ré que até um Renault Kwid tem? Só a câmera de ré não é suficiente, especialmente na dianteira que exige um sensor por com da frente quadrada.
E mesmo com o porte mais contido que o da Ranger, na cabine, a Maverick faz a irmã e a Toro passarem vergonha. Durante o mês de teste que passei com a picape, tive a oportunidade de viajar com cinco pessoas e ninguém reclamou de espaço.
Mesmo pessoas mais altas, puderam se acomodar no interior sem grandes problemas, até para as pernas comigo dirigindo com meus 1,87 m de altura. As colunas mais retas possibilitaram que as cabeças ficassem mais longe uma das outras, enquanto o encosto traseiro com inclinação igual a de um SUV torna a viagem bem menos cansativa do que na Toro ou na Ranger.
A caçamba de 943 litros é espaçosa, mas carece de uma capota marítima de série. Por sorte, a unidade cedida pela Ford contava com uma caçamba elétrica com cobertura impermeável que a transformava em um gigante porta-malas (essencial para uma viagem no verão brasileiro cheio de chuva).
Há de pontuar que a Maverick avaliada ainda trazia duas caixas organizadoras extremamente práticas – em geral, sou do tipo de pessoa que pouco liga para acessórios extras nos carros, mas esses dois se tornam quase obrigatórios na Maverick. E ainda ela conta, de série, com um alçapão debaixo do banco traseiro o qual abriga ainda mais tralhas.
A praticidade da picape vai além com dois porta-objetos com escoamento de água camuflados na lateral da caçamba, portas com espaço escondido dentro do plástico e recorte para uma garrafa de 1,5 litro. Há tantos espaços para colocar cacarecos que até o inútil espaço na parte superior do painel pode encontrar alguma função em algum momento.
Gasolina faz milagre
Justamente a carga extra de pessoas e de tranqueiras de viagem poderia ser o verdadeiro teste se o motor 2.0 quatro cilindros turbo da Maverick daria conta. E ele o faz com sobra. São 253 cv e 38,7 kgfm de torque – bem mais que os 185 cv e 27,5 kgfm da Fiat Toro (que já são bons). Mais até que o motor 2.2 da Ranger que tem 160 cv, só perdendo para os 39,2 kgfm de torque.
Na prática, a picape acelera com força mesmo quando carregada, não negando fôlego. Ela é forte, entregando os 100 km/h em 7,2 segundos – meio segundo mais lenta que um Volkswagen Jetta GLI, que é um carro esportivo e que não tem a aerodinâmica de um tijolo, como a Maverick tem.
Isso deveria, em tese, resultar em um consumo alto, mas não foi o que aconteceu. Durante os 2.000 km rodados, ela fez média de 9,9 km/l. Sendo mais específico, a Maverick sempre ficava acima de 9 km/l na cidade, enquanto na estrada mantinha média de 12,3 km/l. Durante o mês todo, ela foi reabastecida duas vezes e veio com o tanque cheio.
O câmbio automático de oito marchas merece destaque pela suavidade que trabalha. Os engates são rápidos e totalmente imperceptíveis. Além disso, a relação das primeiras marchas é curta, dando um jeito de CVT à Maverick. Só falta uma maneira de trocar as marchas manualmente, especialmente necessário em decidas de serra.
É plástico, mas não parece
Um dos grandes pontos de crítica aos Ford nacionais era o acabamento descuidado e cheio de plásticos ruins, algo que não se repete na Maverick. Ela não tem o mesmo nível de acabamento do Bronco Sport, que tenta flertar com o segmento premium. Mas a cabine tem bem mais qualidade que o EcoSport, o qual ela substituiu nos EUA.
Há plástico para tudo quanto é canto, mas todos de qualidade e bem montados. O interessante é que a Ford mesclou elementos em azul marinho, cinza e marrom, com texturas diferentes para dar um ar mais sofisticado e moderno à caminhonete. As peças em marrom, inclusive, tentam simular metal.
O volante tem couro macio, algo só visto em modelos premium. Já os bancos contrastam couro marrom com azul marinho de maneira elegante e sem cansar – uma bem-vinda quebra do marasmo preto que o Brasil vive dos revestimentos internos, mas sem usar tons claros que sujam fácil.
Tecnologia que falta
A montagem é bem feita, assim como as telas presentes. O painel de instrumentos é analógico, mas possui uma tela larga, colorida e de boa definição recheada de funções. A tela, inclusive, muda de tema de acordo com o modo de condução selecionado. O que não acontece com a central multimídia.
A tela é boa, rápida e fácil de mexer, mas os gráficos já estão bem datados. Além disso, não possui Android Auto ou Apple CarPlay sem fio, apenas via cabo. A tela também fica muito reta, dificultando a visualização em algumas situações. O porta-objetos ao lado da central incomoda: bem que a Ford poderia ter usado uma tela mais larga ao invés disso.
Há de pontuar que os comandos físicos do ar-condicionado facilitam muito a vida, enquanto o botão de abertura do vidro traseiro fica tão escondido que pouca gente vai lembrar de usar. E vale lembrar que a Ford esqueceu de oferecer o tão desejado teto solar no Brasil. Há ainda o problema da falta de tecnologia.
Não fazem parte da lista de itens de série no Brasil itens essenciais para essa faixa de preço como piloto automático adaptativo, alerta de ponto cego (essencial por culpa do retrovisor com zoom que cria enormes pontos cegos), além do já mencionado simplório sensor de ré que se fez ausente.
Ela tenta compensar com frenagem autônoma de emergência, tração 4×4 eletronicamente controlada com sistemas de modo de condução, farol alto automático, seis airbags, farol com acendimento automático e controle automático de descida. Mas por R$ 240 mil, esses itens de condução semiautônoma são essenciais (ainda mais que o Bronco Sport possui).
Veredicto
O paradoxo da Ford Maverick é que, como produto, ela é bem melhor que a Fiat Toro – ainda que faltem tecnologias que estão presentes na rival. Mas a Maverick é bem mais cara que a Toro, o que torna sua compra menos racional. Coloque na conta o fato de ela custar mais que uma picape diesel, como a Ranger, e fica difícil justificar sua compra.
Só que nem todos os carros são pensados para agradar apenas ao lado racional – se fosse por isso, para que existiria um Porsche? A vantagem da Maverick é se comportar como uma picape média onde precisa (robustez, força e espaço) sem inconvenientes (pupa pula e tamanho de jamanta).
É hoje a melhor caminhonete do mercado brasileiro no quesito dirigibilidade. Disparado. Tem um visual único e bastante chamativo (especialmente graças à sua gama de dez cores), além de ser surpreendentemente econômica mesmo para um motor forte. Racional? Nem um pouco, mas tem seu público.
Eu compraria ela ao invés de uma Toro ou uma picape média, mas sei que sou uma exceção a uma regra de mercado que existe hoje. Talvez a salvação da Maverick chegue esse ano em forma da versão híbrida – aí sim, ela terá algo que nenhuma outra caminhonete um dia ofereceu no Brasil. Só precisa de mais equipamentos e preço adequado para fazer sucesso.
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