Não existe mais hatch médio fabricado no Brasil há anos. Só marcas de luxo investem nesse segmento por conta da Europa, mas a Chevrolet ainda tenta com o Cruze RS produzido na Argentina. Só que infelizmente isso não vai durar muito.
A produção do Chevrolet Cruze no mundo inteiro já foi encerrada e o modelo começa a mostrar rugas aqui no Brasil. É um segmento decadente e que não vai renascer, tanto que a GM matou todas as versões do hatch em favor da nova RS e criou um problema para si.
Primeiro que por R$ 164.090, ele ficou mais caro que o Tracker Premier e que o Onix Premier, ambos bem mais equipados do que ele. É que para adorar as vestes esportivas, a GM tirou park assist, frenagem autônoma de emergência, piloto automático adaptativo, alerta de ponto cego, entre outros itens que existiam no Premier.
Segundo que, ninguém mais hoje compra hatches médios. Por mais que sejam ótimos de dirigir, os SUVs passam mais status e têm mais espaço. Comumente quem entra para comprar um Cruze RS, sai de Tracker. Mas ainda vale sair do senso comum?
Oposto do Tracker
Tive contato diversas vezes e de maneira longa com o Tracker. E, sinceramente, ele não é dos mais empolgantes SUVs para dirigir. Me lembro da primeira avaliação onde o chamei de sorvete de creme da Häagen-Dazs: algo bom, bem feito, mas sem graça.
Isso é o extremo oposto do Cruze RS e de um hatch médio. Ele tem alma, gosta de ser dirigido, tanto que não me contive e rodei 1.060 km ao longo de uma semana. E isso não foi nem um pouco ruim.
O motor 1.4 quatro cilindros turbo flex de 153 cv e 24,5 kgfm de torque é esperto. O Cruze não nega fogo, acelera bem e faz retomadas sem esforço. Mas o câmbio não acompanha. O que poderia ter pegada esportiva, segue por uma tocada careta e conservadora.
A transmissão automática de seis marchas é desesperada, engole marchas a todo custo para baixar o giro. Isso prejudica uma dirigibilidade mais apurada, especialmente em curvas sinuosas, onde ele fica solto ao não usar freio motor. Como não há modo Sport, ele sempre preza pela economia.
Na estrada, baixa o giro a menos de 2 mil rpm a 100 km/h. Como resultado tem consumo bom: 14 km/l na gasolina e 10,7 km/l no etanol. As médias na cidade ficam em 10,1 km/l com gasolina, mas caem para 7 km/l com etanol, de acordo com nossos testes.
Alma de hatch
Mas se motor e câmbio são iguais aos do sedã, o que faz do hatch diferente? O acerto de direção e suspensão em prol de uma dinâmica em curva melhor, como um bom hatch médio deve ser.
A suspensão é bem mais durinha que o típico Chevrolet, tornando o Cruze RS algo mais próximo a um . Direção também segue essa toada, mais direta e firme. Como resultado, ele é equilibrado em curvas e tem comportamento neutro.
Não sai de frente com facilidade e nem desgarra a traseira, se destacando pela facilidade com a qual contorna as curvas. Nitidamente os pneus chegam ao limite antes do Cruze, mostrando que há potencial para mais. E não existem sacrifícios de rebote seco em buracos ou barulheira, ele é bem acertado.
Suficiente para menos
A baixa de equipamentos em relação à versão Premier, e até em comparação ao Onix Premier e ao Tracker Premier, faz do Cruze RS um modelo com baixo custo-benefício. Ele tem o básico que se espera da categoria.
Vem de série com ar-condicionado digital de uma zona, central multimídia com Android Auto e Apple CarPlay com fio, teto solar (bem pequeno), bancos revestidos em couro, volante com ajuste de altura e profundidade, câmera de ré, sensor de estacionamento dianteiro e traseiro.
Há ainda faróis com acendimento automático, sensor de chuva, luz diurna de LED, chave presencial com partida remota, Wi-Fi e Spotify integrado à central multimídia. Merecia mais itens de tecnologia e conforto que ele já teve e que o sedã mantém na Premier.
A versão RS, porém, é a única (literalmente porque a GM limou todas as outras versões) com rodas de liga-leve diamantadas, cromo escuro na grade, logotipos pretos, teto preto, retrovisor preto e interior com couro preto contrastando com costuras vermelhas.
Peso da idade
Equipamentos o Cruze RS fica só na média, agora quando falamos em interior, a idade pesa e muito. Ele já não era referência em acabamento na categoria quando tinha concorrentes. Plásticos duros usam textura levemente emborrachada para disfarçar sua simplicidade, ao passo que há pouco couro no painel e portas para dar sofisticação.
Encaixes são bem feitos e os materiais usados tem qualidade, mas Golf e Focus faziam o Cruze passar vergonha. Pena que morreram. A idade do projeto também já se torna evidente ao passo que ele não tem saída de ar atrás ou entradas USB na traseira.
O visual é datado e não segue a moda horizontalizada em voga hoje em dia. Além disso, o painel de instrumentos ainda é analógico, mas é acompanhado de uma tela colorida cheia de funções. A central multimídia é veloz e fácil de usar, mas a tela é lavada e com cores desbotadas.
Ele tem volante de desenho antiquado, com botões de borracha que dão aspecto simplório. Há de convir que são melhores que os botões touch do Jetta GLI, mas não são o mundo ideal. Mas elogio a qualidade excelente do couro do volante e bancos.
Espaço não é seu forte, mas é suficiente. Menos o porta-malas, que é pequeno de 290 litros – igual ao de um Kwid, porém bem mais raso. Na segunda fileira, eu com 1,87 m, me sento atrás de um motorista de mesma altura sem raspar a cabeça no teto. Mas um passageiro no meio se torna impossível.
Veredicto
Se você é uma pessoa racional e pensa puramente com a carteira na hora de comprar um carro, pule esse e o próximo parágrafo. Agora, se é emocional, gosta de dirigir e ainda acha que os hatches médios valem uma chance, tenho uma boa notícia.
O Cruze RS é um carro muito bem construído (anos luz à frente do Tracker), gostoso de dirigir e que nos faz questionar a necessidade dos SUVs urbanos hoje em dia. Ele traz de volta a emoção para dirigir que perdemos há tempos em carros mundanos e uma sofisticação de dirigibilidade que só chega perto em sedã médio.
Mas ao custar o que custa e ser menos equipado que um Onix, a própria Chevrolet colocou o último prego no caixão do Cruze e dos hatches médios. Sem espaço como um Tracker, não há como justificar racionalmente levar ele ao invés dos irmãos. Mas nem tudo na vida é feito de razão…ainda bem.
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