Sinceramente, faz tempo que estou cansado de dizerem que carro chinês não presta e que nunca será bom. Tudo bem que o histórico não favorece com modelos como Effa M100, Chery QQ, JAC J5 e Geely EC7. Mas se japoneses e coreanos aprenderam, por quê não também os chineses? Se ainda acha que não, se prepare para o tapa na cara que vai levar do BYD Han.
Desde já vamos tirar o elefante branco da sala: ele é o carro chinês mais caro à venda no Brasil na história. São R$ 539.990 por um modelo que só começa a ser vendido em agosto. Só que ele concorre com que começa em R$ 629.000, Audi RS e-tron GT de R$ 1.079.990 e Mercedes-Benz EQS 53 AMG de R$ 1.350.900. Agora não parece tão caro, né?
E não estou maluco em comparar um carro chinês com Audi, Mercedes e Porsche. A BYD prometeu que só venderia seus carros fora da China em países exigentes quando atingisse o mesmo nível das marcas europeias. E o Han é prova de que eles conseguiram. Tem defeitos? Claro. Mas do nível procurar pelo em ovo como acontece com as marcas de luxo.
Elegância e cafonice
O tal nível exigido pela BYD fica nítido no interior do Han. Não deve um parafuso à qualidade que se espera de um Mercedes ou até mesmo de um Volvo. Se tampar o logotipo azul (que destoa absurdamente do restante da cabine), jamais alguém dirá se tratar de uma marca chinesa.
Plásticos são raros, pois quase todas as superfícies são revestidas em couro macio ao toque e de qualidade impressionante. O destaque principal vai para os bancos, que tem toque aveludado e costuras elegantes. A BYD ainda não decidiu se trata esse revestimento vermelho para o Brasil – eu voto que sim: é elegante e esportivo ao mesmo tempo.
As primeiras unidades, contudo, terão tonalidade marrom mais adaptada à caretice do brasileiro. A marca já tem uma forte identidade própria em seus interiores, como fica claro pelo desenho em escada das saídas de ar, pela central multimídia rotativa (volto a falar dela depois) volante de um aro e pelo show de luzes.
Em uma larga faixa plástica preta do painel, o BYD Han exibe um show de luzes pulsantes que beiram o cafona e exagerado. Talvez seja seu único pecado por ali, mas Mercedes-Benz e BMW andam fazendo a mesma coisa – quando não pior. Você pode escolher cores diferentes, mas as luzes mudam para azul ou vermelho ao mudar a temperatura do ar-condicionado.
Primeira classe sempre
O BYD Han trata seus ocupantes tão bem quanto um Mercedes-Benz Classe S. Na dianteira os bancos ajustam eletricamente em todas as posições, mas só é possível memorizar os ajustes com o carro parado, algo bem irritante. Volante tem ajuste elétrico e se enfia no painel para facilitar a entrada e saída do motorista.
Atrás, os passageiros tem muito mais espaço do que um Porsche Taycan sonha em ter. Apesar de ser quase um cupê de quatro portas como seu rival, o Han foi pensado para ser usado no banco traseiro. Por isso, tem espaço digno de um Nissan Versa, deixando que quem se senta atrás cruze as pernas para relaxar.
Se isso não for suficiente, o banco do passageiro direito pode ser empurrado para frente pela segunda fileira. Há ainda encosto reclinável eletricamente por um comando nas portas e muito espaço para a cabeça. Até eu com 1,87 m de altura tinha praticamente uma sala com living ampliado de espaço para as pernas sentado atrás da minha posição para dirigir.
Aliás, quem verdadeiramente manda no BYD Han são os passageiros traseiros. Escondida no apoio de braço central que funciona também como encosto para o passageiro do meio, há uma tela que deixará as crianças fascinadas e os adultos enfurecidos com a bagunça que elas farão.
Por meio dessa tela é possível controlar toda temperatura da cabine (ajustada individualmente em quatro zonas também), abrir o teto solar e a cortina com direito a escolher a porcentagem da abertura, trocar as cores do interior, ajustar a música e seu volume, além de também poder pentelhar o passageiro dianteiro ajustando seu banco eletricamente pela tela.
Lá na frente, a central multimídia giratória conta com Android Auto e Apple CarPlay que funcionam em alta resolução. Mas o mais legal são os recursos extras da central como função karaokê (que pode não ser habilitada no Brasil), câmera 360° com uma versão 3D do BYD Han e até ativar a limpeza da cabine por um filtro de partículas que mede a qualidade de ar interna e externa.
Caso lá fora um caminhão velho solte quilos de fumaça de diesel, automaticamente o BYD Han recircula o ar da cabine e ativa a purificação até voltar ao estado mais limpo possível. Enquanto isso, as luzes da cabine ficam verdes. Até mesmo um filtro contra Covid-19 esse sedã executivo elétrico tem.
Opala
Uma das grandes graças do BYD Han é ter escrito na traseira 3.9S. Muita gente pensou tratar-se de um motor 3.9 bem ao estilo carro antigo, como um Chevrolet Opala. Mas não: é a BYD se vangloriando do tempo que o modelo leva para atingir os 100 km/h. E para quem duvidar, existe um modo arrancada com cronômetro que comprova o feito.
Só que o interessante é que ele é bem menos bruto que o Porsche Taycan ao fazer isso. O alemão arranca com brutalidade, com um forte tranco que faz parecer uma montanha-russa de impulsão. O BYD Han, por outro lado, dá a sensação daqueles elevadores modernos que só funcionam do décimo andar para cima, mesmo partindo do térreo.
Quem já andou em um desses sabe que o elevador começa sutil e exerce uma força tão extrema que até o equilíbrio você perde. Com o Han é a mesma coisa: ele sai acelerando sem trancos, linearmente, mas te cola no banco sem dó e provoca alguns gritos de desespero em desavisados passageiros de primeira viagem.
Para isso, o BYD Han conta com dois motores elétricos. O dianteiro entrega 222 cv e 33,6 kgfm de torque, enquanto o traseiro fica com 272 cv e 35,7 kgfm. Juntos, são 494 cv e 69,3 kgfm de força bruta e sempre linear. Mesmo em retomadas, ele ganha velocidade sem aquele grande tapão dos elétricos, fazendo com elegância.
O rodar é silencioso, com absorção de impactos da suspensão feitos com maestria e com absoluto silêncio. O Han é muito mais confortável e pronto para as ruas brasileiras que o Porsche Taycan, que é um carro mais duro e esportivo. Até mesmo os pneus 245/45 R19 contribuem para essa maciez de rodagem em absoluto silêncio.
Joga de ladinho
Mas tudo isso compete ao modo Eco. Em Sport, o BYD Han mostra que os chineses estão começando a aprender a fazer carros esportivos. Ele joga mais força para a traseira e deixa os controles bem permissivos. Dá para fazer uma alça de acesso de uma rodovia toda com a traseira deslizando controladamente – não tente fazer isso em casa.
O BYD Han é muito na mão, com direção bastante direta, rápida e com peso ideal. Isso ajuda a manter o modelo em trajetória sem dificuldades, enquanto o acelerador progressivo parece conectado diretamente ao cérebro do motorista, entendendo cada momento de aceleração, alívio e retomada.
Mas por que disse começando a aprender? Pois falta aquele pente fino de um engenheiro alemão na hora de colocar o BYD Han no limite. A Hyundai sabe disso e contratou o ex-chefe da BMW M para aperfeiçoar seus carros esportivos. Eles sabem como colocar a diversão ao volante no limite junto com a precisão.
Em curvas de alta velocidade, o BYD Han deixa a traseira deslizar perfeitamente, mas a frente esparrama. Ou seja, tem o sobresterço de um carro traseiro (que joga a traseira para dentro da curva) com o subesterço de um modelo com tração dianteira (faz a curva reto). É um ajuste tão pequeno que falta para atingir o nível dos rivais.
Tão forte quanto sua aceleração é a frenagem. O BYD agarra o asfalto tão forte quanto uma mãe aperta as mãos de uma criança quando o pequeno pentelho solta algum segredo cabeludo da família na hora errada. Pisou, ele dispara o pisca-alerta e breca com toda força que seus freios Brembo possuem. Meu pulmão até hoje não voltou para o lugar depois de testar os freios do Han.
Longo e longe
Com 500 km de autonomia declarada, o BYD Han é um raro caso de carro elétrico que te dá segurança para viagens longas. Ele devora a bateria na estrada, consumindo mais quilômetros do que o hodômetro registra, mas ainda assim permite chegar a lugares longe sem se preocupar com carga.
A unidade testada ainda era pré-série, não contando com os bocais de carregamento padrão europeu mais comum por aqui. Por isso a recarga foi lenta. Mas durante os testes foi preciso colocar o Han na tomada só uma vez. Para longas distâncias, ele deixa o motorista mais seguro com piloto automático adaptativo e sistema de manutenção em faixa.
Como as acelerações do BYD, esses sistemas trabalham suavemente e com inteligência acima da média. Nada de frenagens fortes ou centralização na faixa à base de socos no volante. Mas ele tem costume de ficar longe demais do carro à frente. Se der ruim no meio do caminho, ele tem frenagem autônoma de emergência.
Face do dragão
Se antigamente os carros chineses não tinham personalidade própria e copiavam a concorrência, o BYD Han é o exemplo do contrário. A marca tem construído uma forte identidade visual com elementos característicos em todos os seus modelos, tendo o Han como grande base e muso inspirador.
Nunca vi tantas pessoas apontando para ele, virando pescoço nas ruas, tirando foto ou parando tudo que estão fazendo para ver esse enorme sedã vermelho passar. E por não ter o nome escrito na traseira, a pergunta clássica era sempre: “que Tesla / Porsche / Ferrari é esse?“. Não, meus amigos, isso é um carro chinês.
As linhas delicadas da carroceria não roubam atenção de nenhum elemento, deixando os olhos deslizarem pela carroceria fluida e elegante. Na dianteira, a lâmina que compõe a grade frontal divide o farol em duas partes e tem sessão inferior iluminada, que faz um show de luzes ao destrancar o BYD.
Atrás, lanternas conectadas com elementos verticais fazem um leve aceno para o Ford Mustang e também para os Peugeot. Mas o detalhe visual mais interessante é o friso das janelas laterais o qual conta com acabamento acetinado e termina em três filetes paralelos que formam um desenho parecido com o logo da Adidas.
Veredicto
Se você era uma pessoa altamente crítica aos carros chineses e até agora suas bochechas não estão vermelhas ou não está com vontade de xingar esse que vos escreve, leia o texto novamente, mas cuidado com o tapão na cara. O BYD Han é a prova cabal que os chineses aprenderam rápido e finalmente fazem carros verdadeiramente bons.
Ele não nega suas origens, tento elementos bem característicos da cultura chinesa, tanto que tem nome de dinastia. Ao mesmo tempo em que tem interior digno de qualquer carro de luxo de marcas europeias e condução que beira o estado de arte automotivo (falta só um mínimo ajuste BYD, vocês conseguem).
Custa caro para caramba? Sim, como todo carro vendido no Brasil hoje. Nem todos terão coragem de pagar meio milhão em uma marca que está começando agora aqui e ainda mais por ser chinesa (o brasileiro é chato com carro). Mas o Han custa metade do que cobram todos os concorrentes e não deve nem 1% a eles. Está aqui a pechincha do ano e melhor carro chinês que já pisou no Brasil.
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