Ao levar um esportivo para casa, você abre mão de muitas coisas: conforto, paz no trânsito e da sua coluna no lugar. Especialmente quando se trata de um muscle-car, que traz consigo um capô quilométrico, medidas de caminhonete média e mais sede que Zeca Pagodinho. Mas quem diria que o Ford Mustang Mach 1 pode às vezes se comportar como um Ka?
Isso é um demérito? De maneira alguma. Porque nem sempre você quer todo ímpeto de um muscle-car V8. Especialmente no trânsito da marginal Tietê às 18h em uma véspera de feriado. Mas com toques de alguns botões e mudanças eletrônicas ele pode se transformar de um devorador de asfalto com um berrante V8 em um pacato cupê confortável para a cidade.
Importuno de Creta
Como todo muscle-car de verdade, a grande estrela está no motor V8, que no caso do Mustang Mach 1 é um 5.0 aspirado. São 483 cv e 56,7 kgfm de torque que roncam muito alto sempre que você liga o Ford pela manhã com o escape no modo pista. Tanto que todos os dias ao acordar o Mustang, o alarme do Hyundai Creta do meu prédio disparou. Desculpa, vizinho.
Só que se você não quer fazer estardalhaço, ou perturbar o Creta alheio, basta ligar o cupê no modo silencioso. Nesse momento, ele ronca quase como um Sandero RS. Segue grosso e chamativo, mas nada alarmante. É possível até programar de que horas até que horas o Ford precisa ligar no silencioso, evitando xingamentos matinais de outras pessoas.
Há ainda o modo normal e o esportivo do escape, em que pouco mudam a sonoridade em baixa velocidade. A maior diferença é sentida na hora de acelerar forte, onde o pista faz com que o ronco do V8 entre na cabine sem pedir licença, enquanto lá fora faz crianças taparem os ouvidos.
Em um mundo em que carros elétricos estão se tornando comuns, é delicioso o som de um V8. Especialmente no caso do Mustang Mach 1, que ronca como um búfalo americano depois de tomar uma lata de Redbull sem querer e atropelar um turista pentelho. É forte, alto, rouco e nitidamente poderoso.
Coice de coiote
Mas de nada adiantaria se o Coyote 5.0 V8 só roncasse e não andasse. E esse animal americano anda…e muito. Faz de 0 a 100 km/h em 4,3 segundos e parece até mais rápido do que isso por conta da sonoridade do motor. Mesmo aspirado, ele tem torque de sobra, afinal 56,7 kgfm são muito bem explorados pelo modelo que recebe com coice a cada acelerada.
É notória a facilidade do Ford Mustang em chegar a altas velocidades e como ele gosta disso. Atingir os 200 km/h é brincadeira para ele, enquanto trafegar a 150 km/h é tão corriqueiro e tranquilo para ele, quanto um Ford Ka anda a 60 km/h na avenida. Ele gosta de velocidades altas e passa segurança nessas situações.
Mas a conta vem. E a galope como o cavalo da grade frontal do Mustang: 6,1 km/l na cidade e 8,8 km/l na estrada. Durante nossos testes o Mach 1 fez média de 5,2 km/l com trechos de estrada, cidade e alguns na Nürburgring de Campinas. No teste que rendeu 400 km, ele secou um tanque e três quartos de outro.
Complexo de CVT
Um dos jeitos que a Ford tentou usar para segurar a sede do Mustang foi desenvolver uma nova transmissão automática de dez marchas que é compartilhada com seu arquirrival Chevrolet Camaro – por mais bizarro que isso pareça. Em modo Sport do câmbio, ele trabalha com muita velocidade nas trocas e trancos instigantes.
Já em Drive e no modo de condução normal ele tem complexo de CVT. Com dez marchas para lidar, ele faz trocas muito cedo, com uma marcha em cima da outra. Cada troca baixa a rotação em apenas 500 rpm e a 40 km/h ele já está em sexta.
Parece até um câmbio CVT, que segura rotação mais alta em acelerações e depois derruba o giro com trocas de marcha uma em cima da outra. Nessas situações, a transmissão trabalha de maneira tão suave que você não sente de maneira alguma as trocas. Só percebe se olhar o conta-giros caindo e o número da marcha subindo.
Deslizamento programado
O Mustang conta com as opções Normal, Sport, Sport+, Pista e Arrancada, cada um modificando diversos parâmetros do carro. Em normal ele roda na cidade silencioso e pacato, podendo ser usado tranquilamente no dia a dia. Já em Pista, o controle de tração e de estabilidade é desligado e é preciso braço para domar a fera.
É interessante ver esse contraste na hora de acelerar rápido, mas o Sport+ é o modo mais interessante. Ele entrega quase toda força do Mach 1, mas deixa os controles eletrônicos ligados. Contudo, eles ficam bem permissivos, deixando a traseira deslizar até uma vírgula antes de acontecer alguma coisa errada.
Como o Mustang se tornou um carro global, ele tem um certo refino europeu nas curvas. Não é tão trambolhento quanto o Chevrolet Camaro e consegue fazer curvas com mais confiança e grudado no asfalto. A traseira escapa quando você quer ou precisa, voltando ao controle rapidamente e sem esforço.
Ele te dá confiança para fazer curvas de alta com o pé em baixo e sem o pneu cantar, enquanto curvas mais fechadas são feitas por ele como se fosse um carro bem menor. Mas se quiser partir para o modo ignorância e deixar a traseira entrar primeiro na curva, basta desligar os controles eletrônicos e transformar o Mustang em pião da casa própria.
Pista e cidade
Assim como os modos de condução do próprio carro, o Mustang tem três opções de assistência de direção. Já deu para entender o por quê ele ser uma máquina das pistas em um momento e cinco minutos depois um Ford Ka? Voltando à direção: ela conta com o modo Normal como padrão, mas há o Confortável e o Sport.
Em Normal ela é nitidamente mais pesadinha, mas rápida e relativamente tranquila para uma manobra. Já em Sport, ela assume peso forte, mas também fica mais ágil, permitindo um controle afiado em curvas rápidas e quando o pé direito fica pesado. Já em Confortável, usar no trânsito se torna algo relaxante e tranquilo, deixando a direção bem leve.
Só não dá para dizer que fazer uma baliza com o Mustang é fácil porque a Ford esqueceu de colocar sensores de estacionamento nesse carro enorme de 4,78 m de comprimento, 1,91 m de largura e 1,37 m de altura. É imperdoável ele não contar com esse item tão banal que até um Fiat Mobi tem.
E não adianta dizer que tem câmera de ré, pois ela produz uma imagem distorcida que te faz achar que está a milímetros da parede quando, na verdade, está tão longe que caberia um Fiesta atrás do Mustang. Uma falha imperdoável para um carro que custa R$ 544.520 e que poderia encarecer R$ 1.000 que fosse por um tão básico sensor de estacionamento.
Perdidos pelo caminho
A falta do sensor de estacionamento é notada assim como a retirada do piloto automático adaptativo, que um dia fez parte da lista de itens de série do Ford Mustang no Brasil. Mesmo assim, ele é bem recheado. Tem faróis de LED com acendimento automático, painel de instrumentos totalmente digital e central multimídia com Android Auto e Apple CarPlay.
Vem ainda equipado com banco com regulagem de assento e lombar elétrica (encosto é manual), bancos dianteiros com aquecimento e resfriamento, volante com aquecimento e ajuste de altura e profundidade, chave presencial, retrovisores elétricos, farol alto automático, controle de largada, retrovisor interno fotocrômico e ar-condicionado digital de duas zonas.
A lista é complementada ainda com frenagem autônoma de emergência com detecção de pedestres, sistema de permanência em faixa, oito airbags (dois frontais, dois laterais, dois de cortina e dois de joelho), indicador de fadiga, controle de tração e estabilidade, monitoramento de pressão dos pneus e GPS integrado.
Old Ford
O último ponto que merece destaque no Mustang é o interior. Diferentemente do Chevrolet Camaro que é claustrofóbico e tem acabamento não muito melhor que um Cruze, o Mach 1 traz de volta o antigo espírito da Ford. Lembra quando a marca do oval azul tinha acabamento melhor que a média? Ele é assim.
É aí que boa parte do meio milhão que é preciso desprender para comprar o muscle-car se justifica. Todo o painel é macio ao toque, assim como a porção que o liga ao console central, que por sua vez é revestido em couro. Costuras aparentes dão um toque ainda mais sofisticado ao modelo. Há plástico somente em uma faixa do painel e algumas regiões das portas.
Mas a Ford tomou o cuidado de acarpetar até um minúsculo porta-objetos do lado esquerdo do volante. O porta-luvas tem um nicho específico para o manual e há bastante metal de verdade em partes que o motorista toca sempre, como maçanetas, puxador de portas e manopla de câmbio. Parece um carro de marca premium nesses momentos.
A posição de dirigir é baixa, mas sem ser claustrofóbica como a do Camaro. Há bastante visibilidade e área envidraçada boa. Tudo bem que o capô tem 4 quilômetros de comprimento e há bastante ponto cego na traseira, mas Jaguar F-Type e Chevrolet Camaro são bem piores nesse quesito.
Sobre o espaço traseiro…é complicado. Adultos até conseguem andar por lá, mas reclamarão a viagem toda de dor nas costas. Quer seja porque o banco não é muito confortável ou porque precisam abaixar a cabeça que roça o tempo todo no vidro traseiro. Crianças ficarão felizes lá, especialmente porque o acesso é bem ruim. É um carro para duas pessoas e só.
Veredicto
Assim como abri o texto dizendo que ter um esportivo é saber que você vai abrir mão de muita coisa, reafirmo isso aqui. Mas o Ford Mustang Mach 1 surpreendentemente não te sacrifica tanto quanto outros modelos. É totalmente usável no dia a dia, desde que não leve mais de um passageiro e seja amigo do frentista do posto de gasolina.
Ele sabe ser dócil nos momentos em que é preciso e também afiado como um canivete suíço na hora de acelerar forte. Tudo bem que o Chevrolet Camaro na pista e no limite é melhor que o Mustang. Mas 99% da vida do muscle-car não vai ser passada acelerando fundo ou em circuitos. No mundo real, o Mustang é bem superior. E ainda te dá confiança para fazer o V8 roncar.
>>Chevrolet Camaro SS Conversível é para quem quer holofote | Avaliação
>>BMW M440i é tão bom que você esquece como ele é feio | Avaliação
>>Jeep Wrangler vs. Land Rover Defender: os clássicos 4×4 | Comparativo