Já diriam os pessimistas que criar expectativas é o caminho mais fácil para se frustrar. Mas eu não sou esse tipo de pessoa e, exceto para carros da Lifan, sempre testo novos modelos com certas expectativas. Mas o caso do Audi e-tron S Sportback era diferente. Já sabia o que esperar por ter andado brevemente nele na pista. Mas faltava um contato mais longo.

Tão longo que em uma semana rodei 1.000 km com ele e, graças ao seu sistema de frenagem autônoma de emergência, fui salvo de um acidente ao flagrar o novo Peugeot 2008 em testes no Brasil. E essa convivência foi justamente o que me surpreendeu com o SUV elétrico esportivo da Audi de R$ 844.990.

É nítido o fortíssimo trabalho das marcas premium europeias em promover a eletrificação. Afinal, são os ricos que hoje compram carros elétricos no Brasil e têm como driblar a falta de estrutura de carregamento nas ruas provendo energia em suas casas. Audi, BMW, Mercedes-Benz e Volvo possuem linhas bem completas de modelos elétricos.

Mas a Audi foi a primeira a dar um passo mais ousado e lançar um modelo de grande porte como o e-tron, que ano que vem mudará de nome para Q8 e-tron, já que todo Audi elétrico se chama e-tron. O Sportback veio para coroar a forte investida da marca em SUVs cupê e a versão S brinda com esportividade na hora de andar. Mas isso tudo dá liga?

Audi mais torcudo da história

A receita do Audi e-tron S Sportback é tentadora: são 503 cv e 99,2 kgfm de torque providos por um layout de três motores. O dianteiro entrega 169 cv e 31,5 kgfm de torque, enquanto cada um dos dois traseiros chega junto com 266 cv e 36,2 kgfm. O resultado é que essa jamanta de 2.620 kg chega aos 100 km/h em 4,5 segundos.

É um carro enorme com 4,90 m de comprimento, 1,97 m de largura e 1,61 m de altura, mas que acelera como um hatch pequeno. A patada é forte, com arrancadas de fazer um passageiro distraído mexendo no celular ver a tela de seu smartphone encontrar com seu nariz, seguido, claro, de um xingamento ao motorista.

É muito torque instantâneo que movimenta uma massa enorme de carro. Qualquer retomada é fichinha para ele, assim como acelerar forte mesmo estacionado. O interessante é que somente no modo Dynamic ele libera a força total, indo além dos 100% do contador de força que substitui o conta-giros.

Só que a Audi foi sagaz na utilização inteligente do sistema regenerativo. Por meio de aletas atrás do volante, é possível deixar o e-tron totalmente solto ou em dois estágios de regeneração. Só que, mesmo usando o freio, quase 90% das frenagens são feitas usando o sistema regenerativo para recuperar bateria.

Na estrada, situação onde um elétrico gasta muito, o e-tron pode rodar quilômetros e quilômetros na banguela sem gastar um kWh. Isso ajuda a prolongar os 347 km de autonomia declarada pela Audi. Na vida real, a depender do seu modo de condução, dá para ir além com uma carga completa.

Alma S

Enquanto alguns modelos elétricos esportivos e grife não honram a sigla que possuem, o Audi e-tron S Sportback vai de acordo com os preceitos da sigla. Um Audi S não é tão esportivo quanto um RS, sendo um meio termo que o torna possível de ser usado tranquilamente no dia a dia, mas ainda assim com uma forte dose de pimenta.

Rápido já ficou claro que ele é, mas e nas curvas? O tamanho gigantesco deveria ser um impeditivo, mas há alguns truques que ajudam esse gigante elétrico a ser ágil. A suspensão pneumática trabalha velozmente e nivela a carroceria rápido, ainda que nas curvas mais ousadas dá para sentir o deslocamento de massa por conta da altura da carroceria.

Nos buracos ele não sofre tanto, apesar de ter rodas de 21 polegadas calçadas em finos pneus 285/40 R21. A direção é pesada, o que combina com o comportamento mais esportivo – só merecia um volante com base achatada e um pouco menor. Nas manobras ele fica mais leve, mas não o suficiente para esquecer estar em um carro com pegada esportiva. 

Há de ressaltar ainda a vetorização de torque que ajuda muito a contornar curvas mais fechadas.  Mas o que chama atenção é o silêncio. Pelo lado positivo e pelo negativo também. O e-tron S Sportback é um santuário por dentro, não deixando barulhos externos passarem e criando uma aura serena na cabine. 

Só que, ao contrário de tantos carros elétricos, ele não tem ronco simulado. É algo que algumas marcas dominavam com maestria, como a própria Audi no RS e-tron GT e a Mercedes-Benz com o EQS AMG. Um pequeno ponto, mas que adiciona muito à aura esportiva que ele passa. 

Robô sobre rodas

Um dos pontos mais legais de ser um modelo topo de linha dentro da gama Audi é a quantidade colossal de tecnologia que o e-tron S Sportback possui. Um dos elementos mais legais são os faróis de LED Matrix. Eles criam zonas escuras e claras na estrada para não ofuscar outros motoristas e manter a melhor iluminação possível.

Como bônus, todas as vezes que você liga o e-tron, aparece um show de luzes na parede com logotipo da Audi e nome do modelo, como se os faróis fossem projetores. Há ainda uma faixa mais clara na estrada com setas para frente, que migra para a faixa ao lado ao dar seta. É genial.

Mas, o retrovisor em forma de câmera é o pior que já usei na vida. Sinceramente, não gaste R$ 15 mil a mais por isso nem sob tortura (com R$ 6 mil extra se optar pela capa de carbono que estava nesse modelo de testes). A câmera tem ótima definição, mas possui zoom, o que cria enormes pontos cegos, especialmente na hora da manobra.

A tela fica na altura da maçaneta, fazendo com que seja necessário desviar o olhar da posição típica dos retrovisores. Na hora de estacionar, não dá para ter confiança no que está sendo visto, além de, por conta do zoom, muitos objetos parecerem mais próximos do que estão de fato. Ainda bem que esse item é opcional – eu jamais levaria.

Há de destacar ainda a frenagem autônoma de emergência (que me salvou), piloto automático adaptativo, sistema de manutenção em faixa com funcionamento bem suave e preciso, ar-condicionado digital de quatro zonas, bancos elétricos, na dianteira, assistente de visão noturna (opcional de R$ 21 mil), chave presencial e head-up display.

Um, dois, três, quatro

Antes de falar do interior, é preciso parabenizar a Audi do Brasil pela belíssima combinação de carroceria vermelha quase laranja com interior vermelho escuro para o e-tron S Sportback da frota de imprensa. Essa combinação de cores trouxe esportividade e sofisticação ao SUV elétrico como poucos.

São elementos que combinam com o interior sóbrio dotado de elementos pretos e muitas linhas retas. A central multimídia é levemente voltada ao motorista, assim como a tela inferior que controla o ar-condicionado e algumas funções extras. Todas de excelente definição e que exigem toque com força de botão para funcionar, algo interessante.

O painel de instrumentos é totalmente digital e configurável, mas fica devendo algo muito besta: a porcentagem da bateria. Ele traz gráficos enormes de quantos quilômetros ainda pode rodar e um marcador como o de combustível. Mas só dá para ver a porcentagem na central multimídia e em um submenu.

Espaço interno mais do que farto, especialmente na segunda fileira de bancos. Contudo, por ser um carro que compartilha plataforma com um modelo a combustão, há um túnel central que rouba parte do espaço dedicado às pernas. O porta-malas, com abertura elétrica, leva 555 litros e ainda traz um espaço extra na área do pneu com cobertura plástica, além do porta-malas dianteiro de 60 litros.

Veredicto

Já reestilizado e rebatizado na Europa, o Audi e-tron S Sportback não é uma boa compra agora. Mas se tiver paciência de esperar pelo novo modelo, será recompensado por um carro muito bom de andar, confortável como se espera de um SUV de luxo, mas rápido como um elétrico de elite e um Audi S precisam ser.

Em resumo, o Audi e-tron S Sportback é um tipo de carro que cria altas expectativas por conta de seu preço alto, posicionamento na linha e números surpreendentes. Mas, felizmente, as cumpre sem a menor frustração. A não ser pelo retrovisor, esse sim, algo que só é legal na teoria, porque na prática…simplesmente não dá.

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